sexta-feira, abril 18, 2008

A visita - no aniversário da morte de Zeca Afonso

O sol  Aquecia-me com suavidade e soprava uma ligeira brisa, trazendo o cheiro a maresia do mar ali bem perto. Era pela tarde e o tempo passava, sem se dar por ele. Há muito que não fazia este percurso e o silêncio era quase sepulcral, neste sítio com toda a propriedade da palavra. Aproximei-me da campa. Rasa. Florida, raízes na terra que o guarda, um misto de flores do Alentejo, que tanto amou, e de outras que mãos amigas lá foram colocando e que por lá foram ficando e se reproduzindo, umas dando outras, um tanto descuidadamente. Para quem lá não esteve ou de mais fraca memória, seria difícil encontrar o que se procurava. Na maior humildade, à cabeceira, numa placa vertical, apenas esta inscrição; José Afonso 1929-1987. Fui meditando, então, no efémero desta vida; haviam passado 21 anos sobre o que parecera ser meses antes e, então, os amigos eram aos milhares...
Aproximei-me. Sentei-me na pedra de campa vizinha, sem flores, e ali fiquei um tempo. Pensando naquela voz que hoje canta e encanta, no poeta, no homem, no músico, nas suas grandezas, muitas, nas suas fragilidades, algumas.
Ainda lhe balbuciei:- Olha, Zeca, trouxe - te saudades....
Alma piedosa, amorosa mais, num jarro de mármore, deixara uma dúzia de cravos bem vermelhos, ainda vivos, rutilantes, brilhando ao sol desta tarde de Abril. Depois, depois foi preciso mais um adeus num até já, lá em casa, voltar a ouvi-lo, a sentir a saudades mais.
Era forçoso partir. Isto do "dever" chamar tem que se lhe diga. Voltei-lhe as costas e passeei-me por aquelas ruas vazias e silenciosas, arrumadas e limpas. Não pude deixar de ir ao túmulo do Rui e do Paulo, amigos como irmãos um do outro e, outrora, meus vizinhos, desde miúdos, que um dia disseram:
- Mãe, vou ali já venho!!!
Mas não voltaram senão dentro de uma caixa. Tão amigos que foram, a morte os levou com 15 anos de intervalo, aos 18 e aos 33 e agora, por vontade das famílias estão juntos para sempre. E, logo ao lado, mesmo ao lado, a Vanessa, única riqueza de sua Mãe já pobre e agora velha antes do tempo, a Vanessa que eu vi correr lá noutra escola, que ajudei a crescer, único amor da Paula, 19 anos em flor que a morte ceifou, à vinda do concerto de Agosto, de Zambujeira do Mar, já a chegar a casa. As campas, verdadeiros jardins de flores sempre renovadas, símbolos vivos de vidas que não voltam mais. E de um amor que é eterno, o amor das mães.
Foi uma tarde diferente, Estava precisado. Encontrei-me mais perto do Céu.