sábado, abril 25, 2009

Não estavas lá

Um dia e pêras! Levantar às 5 da manhã, apanhar comboios e metro para estar em Castelo Branco, pelas 11 horas e poucos minutos, já não seria obra de monta, nos dias que correm. Por isso, fora assim decidido e não me arrependi. O Curso do Magistério finalista de 1961 estava convocado, desde há um ano, para celebrar 48 anos de desafios, de derrotas e vitórias, de ilusões, sonhos e pesadelos, vidas dedicadas às Crianças, às Famílias, a Portugal e ao Mundo. Quase parece megalomania, mas é assim que penso. Como penso, escrevo. A viagem de comboio, na ida, de manhã cedo, e no regresso, durante a tarde, proporcionou-me desfrutar de um espectáculo que que me fugia, há muitos anos: passear pela lezíria ribatejana e pelo vale do Tejo até "Portas do Ródão", subindo depois aos terrenos da capital da nossa Beira, com uma avalanche de cores entrando, em catadupa, pelos meus olhos, tornando impossível digerir tão farta "refeição"... Na lezíria vi - para além de uma enormidade de terreno de alta qualidade agrícola a ser preparado para mais uma urbanização a NE de Vila Franca - vi, dizia, vastas áreas de terras lavradas e preparadas para as sementeiras da Primavera. Vi depois um quase infindável oceano verde pejado de mil cores: as margaridas, as giestas, os tojos, as carquejas, os rosmaninhos, as estevas, os cardos e muitas outras flores mostravam-se em todo o seu esplendor deste final do mês de Abril. Por esta época, as encostas que marginam a nossa viagem tornam-se indescritíveis. Só vendo!
Aqui e ali, quase sempre nos arredores das povoações, também as hortas e pomares se mostravam em toda a sua beleza. De outro tipo: frutos do trabalho e do querer do homem. E da mulher!!! Dando ânimo à nossa alma!
O Encontro deste ano revestia-se de alguma angústia, que se tornará cada vez mais frequente, com o avançar dos anos. Inevitável! Havia já a certeza de que a Idalina Gaspar - a Serraninho já se fora há 4 anos - não cumpriria a promessa de "até p'ro ano" com que nos despedíramos. Doença rápida levou-a, para sempre, de um convívio que tanto animara e pelo qual tanto lutara. Na Missa recordámos os que não mais voltarão e agradecemos pelos que vivem, ali presentes, ou que não puderam/quiseram aparecer. Excelente a homilia do Padre Martinho, por sinal ex-aluno do Tonel, ali presente, pouco dado a estas coisas de religião. A vida brinda-nos com estas partidas: eu, toda a vida armado em "pregador" e nem um aluno no seminário!!!
Não via o Firmino há 48 anos. E outros! E outras! "Estás na mesma, malandro"... "Continuas linda, como em 1961"... "Tu estás mais barrigudo; que fizeste ao cabelo?"... Risos e gargalhadas, com estas "mentiras piedosas" ou verdades adocicads... E a/s Carmo/s. A Carolina, a mais novinha do Curso. Garantidamente, ainda bem atraente. E a Maria dos Anjos. Com ela e as Carmos são 3 da Sobreira Formosa. A Maria José, da Idanha, a quem pergunto pela D. Bernarda - fomos colegas em Proença-a-Velha - agora entretida com as "Adufeiras", certamente a preparar a festa da Senhora do Almurtão, daqui a 2 dias. "Já está velhota, mas rija", como se nós não o estivéssemos, e nem sempre rijos... A Laidinha e a Francisca tomaram conta da organização. A Francisca, a dançar, toma o estilo da Sylvie Vartin. Disse-lho. Desconhecia... ou fingiu. Dancei uma marchinha com ela. "Não oiças a letra, que esta música pimba é horrível", dizia-me. E não ouvi. "Homem honrado não tem ouvidos". Foi primeira vez que dancei com uma "garota" do meu Curso!!! Quando as tinha ali "à mão de semear" não sabia dançar. Depois... o tempo voou. O Luís e o Adelino ficarão com o encargo para 2010. "Olha o Mário Rocha. Vi-te nas Caldas, quando lá fiz a recruta!" Uma eternidade... O Domingos apareceu, finalmente. Com o estilo de "Conde", de sempre. Mesmo quando se baldava às aulas e afligia o Dr. Frade Correia para que não perdesse o ano por faltas. Tem tido poucas ralações, nota-se no seu aspecto. Impecável! Pedi à esposa que tirasse uma foto do grupo com a minha máquina e quase só fiquei eu e a parede. Talvez tivesse medo de me cortar... Assim fiquei ao centro - estava na ponta - e não vou publicar. A Amália, a Fernanda, a Madalena - fez-me pena o seu ar "aéreo" ... Não mudou. Pareceu-me que nem a "paixão" pelo Adelino. As fitas que ela fez para o fotografar. Mas acho que "levou a bicicleta" . O Domingos, guarda-redes da equipa e dos "frangos"... Fazer discursos é a sua especialidade. Faltou o Manuel. O "rapaz" mais divertido que conheço. Há dois anos passou um mau bocado e esteve frente a frente com "Ela"... Desta vez foi uma das filhas que estava de partida. Cada uma em seu canto do Mundo. O Sanches e a Mercedes. Serenos e lindos. Dançaram os dois. Só p´ra eles. Como de costume ficámos na mesma mesa. A Aurorita, que viajou no inter-cidades sem nos darmos conta. Vive na Costa da Caparica. Foi cá uma "brasa"... Continua linda! O G. e a B. estarão a viver uma "história" bonita? Oxalá que sim! Eu gosto tanto dos dois que lhes desejo todo o bem do Mundo. E merecem-no. A Amália, doce, serena. Parece uma santa. A Fátima e a prima Emília, esta a vir pela primeira vez. O Zé Pinto. Não sei o que faz para estar tão elegante. Bom, o Tonel também não está mal. A Nelly sempre com as anedotas picantes. Nem lhe assenta o almoço, se não contar pelo menos uma para todos. Fora as que saem à mesa... Terrível, esta cachopa! E o Quim grande!! Rica vida tem levado este rapaz. Nunca se esquece de me contar a história: ao dar posse à minha irmã, lá em V. Franca, "Eu tive um colega com estes apelidos" "É meu irmão" "Não pode ser; ele só tem UM irmão" "É que eu nasci fora de prazo". E lá vem mais um abraço e uma sonora gargalhada. O José Barata apresentou-se com um livro de poesias. Algumas foram ditas. Gostei muito de uma delas. O "grande amor" com a Estrela? Ela já não veio. Nada é eterno... O Leonel, sempre presente, com as dificuldades de quem sofreu uma trombose. Antes do tempo. A doença vem sempre "antes do tempo"... A Eluísa - está assim no registo... - e a Estela estão com bom aspecto. Com a Estela a brincadeira do costume "Então ainda ouves o "Stella, Stella" do Marino Marini???" Há coisas que nunca esquecem. E sorrimos com alegria. A Manuela Fróis vem de longe. Com eu. Tem sido assídua e gostámos de rever-nos. A Maria do Rosário continua com aquela ar de garota travessa que sempre lhe conheci. Esquiva a atraente, ao mesmo tempo. É das que menos perderam "com a idade". A Zélia, veio pela primeira vez. Serena. Como sempre, está uma linda também. A Rosalina cheia de serenidade de quem viveu uma vida sem sobressaltos. Seria? Deus queira que sim.
A refeição foi o que menos interessou. Nada de espantar, mas o espaço é uma maravilha. E prefiro comer "pior" e estar à larga, com grande conforto. Um salão de hotel só p´ra nós. Se pudesse, teria comido apenas queijos e presunto. Dos melhores. Mas este colesterol é terrível. Interrogo-me sempre sobre o nosso destino: o que é bom ... ou faz mal ...ou é pecado!!! Que "tragédia"!
Já não assisti ao partir do bolo. A Laidinha telefonou-me - interessando-se pela minha chegada, uma querida, como sempre, bem maltratada pela vida!!! - e disse-me que estiveram até perto das 19 horas. Eu quis vir no "inter" das 16. Andar em Lisboa, pelas tantas da noite, nos túneis do Metro ou nas estações de comboio, é coisa que já não dá para a minha idade. Nem para muitos mais novos. Voltei a encher os olhos de verde, de terra, de água, de beleza. Agora me lembro: não vi qualquer rebanho. Que se passará, havendo tantas pastagens???
Às 21 horas entrava em casa. Não me lembro de adormecer. E esta?! Graças a Deus!!!
Idalina, não estavas lá, mas sempre foste uma romântica. Tenho a certeza de que gostavas destas e há muito tempo que as não ouvias. Aqui te ficam com a minha, com a nossa saudade! Não te esqueceremos!

quinta-feira, abril 23, 2009

Uma tarde com ... ARLINDO DE CARVALHO!!!!



A notícia "andou no ar", através da Rádio Sim: Arlindo de Carvalho daria um espectáculo no auditório da Renascença para os que quisessem estar presentes. Aconteceu comigo. De comboio. De Metro. Lá me encontrei com o Américo. O abraço amigo que já tardava. Arlindo de Carvalho irradiando simpatia. A sua voz poderosa e bela. "Fadinho Serrano", "Ó Castelo Branco" "Ode à Guarda", "Chapéu Preto", "Hortelã Mourisca", "Crucificados desconhecidos", "O comboio da Beira Baixa", "Ao 25 de Abril", "Marcha de Lisboa" ... uma hora que passou num instante. Com entusiasmo, com motivação, com participação da assistência. Certamente, também um bom programa para os que ouviam, em todo o Mundo. Apresentação profissional de José La Féria. Primo do outro. A Equipa da Rádio Sim. A Dina Isabel, directora de programas da Renascença. A Teresa Silva, que já fizera "A minha música" comigo, a 25 de Janeiro. A Miriam, filha e "menina do mimo" de um Amigo e camarada de armas, lá pelas Áfricas. A Inês Carneiro... Uma simpatia, esta Equipa!!! Uma prenda para o poeta, o compositor, o cantor, o beirão, o professor, o Mestre. O Homem. Quem diz que fará 79 anos por estes dias?
Mas a minha sorte não acabara, neste dia de sorte: ouvir-lhe, em privado, uma canção dedicada a Aldeia de João Pires, a minha terra. Escrita há dezenas de anos, a falar de lugares e coisas que "mexem comigo". Que memória!!! Depois, um CD com dedicatória de Arlindo de Carvalho, num gesto que muito me comoveu. Generosa intervenção do Américo, que agradeço. Eu não me atreveria a querer mais. Que tarde!!!

quarta-feira, abril 22, 2009

Ah! As Crianças!!!



A surpresa veio, há dias, logo no recomeço das aulas, pela mão do meu neto: um quadro com frases de Crianças dizendo-me que ainda era importante para elas. Não sou dado a apreciar prendas, muito menos de anos. Chego a ser quase "troglodita". Mas foi uma lembrança que recebi e muito apreciei. Uma "prenda do coração" de que muitas vezes lhes falara. Pois queriam-me com eles? Gostariam de cantar-me os parabéns? Porque não? São tão pequenos e tão puros!!! E assim se foi combinando: falei com o Director, com a Prof. Sónia. Depois, em segredo, tanto quanto foi possível guardar, pelas 16 horas entrei na sala de aula a convidar 0s alunos do 2º. B para lancharem comigo. Foi um reviver de emoções, com muita alegria. Soube, então, que houvera ali "o dedo" dos Pais, especialmente das Mães. Agradeço às Crianças, às Famílias, à Professora e ao Director os momentos únicos que vivi. Sobretudo pelo seu inesperado e pelo conteúdo. Muito obrigado. Não esquecerei. Graças a Deus!!!

terça-feira, abril 21, 2009

Meu Filho, parabéns!!!


Era Domingo, 20 de Abril. A Páscoa festejara-se duas semanas antes. Vivíamos e trabalhávamos em Penamacor e, como de costume, visitávamos as nossas Famílias, nas Águas e em Aldeia. A tua Mãe, linda e esplendorosa, nos seus 22 anos, uma "brasa", digo-te, andava um tanto atrapalhada com a enorme barriga onde tu te divertias, dando voltas sobre voltas, traquinas e desenrascado - hoje, a palavra da moda com que os americanos querem "enriquecer" a língua inglesa. "Não me sinto bem; estou quase sem forças", dizia-me ela, com alguma angústia. "Vou ficar por aqui, na companhia da minha mãe". A tua avó materna. A gravidez fora inesperada - a tua irmã ainda tão pequenina e a "dar-nos água pela barba" - mas foste aceite, desde o momento da tua concepção. E sabíamos que estava a chegar ao fim. Era muito difícil a nossa vida, mas tínhamos tanta esperança e tantos sonhos!!! Tu passaste a fazer parte deles. Mas vamos ao que interessa. Já era noite, quando regressámos a casa - a tua Mãe decidira que nascerias na nossa casa e combinara tudo com uma parteira, de Alcains. Não havia telefones, muito menos telemóveis, uma palavra e um objecto desconhecidos, ainda por inventar. Tudo combinado: se houvesse sinais de que nascerias nessa noite, meter-me-ia no carro, ia até às Águas - por acaso tua avó tinha o telefone público, ligava-se à parteira, levava a tua avó para junto da tua Mãe e ficávamos entregues nas mãos de Deus. "Será menino ou menina?" Por incrível que pareça, há 40 anos nascia-se sem se saber "o que era"... Cerca da uma da manhã do dia 21, lá estava eu "D. Clara, D. Clara, está na hora!" "Como está a minha filha?" "Está com as dores... Ah! Deixe-me telefonar à parteira e vamos!"
Passava pouco das duas da manhã quando ela apareceu. Nariz empinado. sabichona. "Oh! Isto ainda está muito atrasado. E logo agora que tenho outro parto lá nos Escalos. Dou-lhe uma injecção para atrasar, pois lá devo demorar pouco..." Injecção dada e "ala que se faz tarde!" Regressou a passar das cinco. Cheia de pressa. Agora vão duas injecções para despachar. Eram umas seis e meia e soltas o teu primeiro protesto contra este mundo. "É um menino!!!" E tu a gritar "Aqui estou! Podem contar comigo!" Uma grande alegria, uma enorme dádiva do bom Deus. Eu, com 26 anos e a tua mãe, tão jovem, com um casalinho, nada mau. Antes... "cinco estrelas"!
Não foi fácil aquele teu primeiro dia para a tua Mãe. As drogas contraditórias que lhe enfiaram no corpo tiveram um efeito quase devastador. O seu coração queria rebentar. O Dr. Landeiro e a "coramina" mas, sobretudo, o favor de Deus conservaram-no-la, até hoje. Demos graças por ti e por ela. Uma coisa ficou assente: se houvesse mais filhos, nenhum mais nasceria em casa. Um desafio, um perigo para a mãe e para o filho.
Foram 40 anos contigo. Já te disse: és um dom de Deus. Eu volto a agradecer-Lhe tamanha bênção. Parabéns, meu Filho, por este dia. Parabéns a nós, a mim, a tua Mãe, aos teus irmãos por te termos como nosso. Um Homem! Um Cidadão! Um Filho! Um Pai! Obrigado, meu Filho, por nos honrares com a tua vida! Para ti, com Amor!

segunda-feira, abril 20, 2009

O velho, o rapaz e o burro...

O mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Vou contar-vos uma história,
Em prova desta asserção.
Partia um velho campónio,
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha,
No seu burrinho montado.
Encontra uns homens que dizem

"Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé".
"Tapemos a boca ao mundo",
disse o velho: "Rapaz,
Desce do burro qu'eu monto,
E vem caminhado atrás".
Monta-se ,mas ouve dizer:
"Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho
E o pobre pequeno à pata!"
"Eu me apeio!" diz prudente,
o velho de boa fé.
"Vá o burro sem carrego
E vamos ambos a pé!"
Apeiam-se e outros dizem
"Toleirões, calcando lama,
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?"
"Rapaz", diz o bom do velho,
Se de irmos a pé murmuram
Ambos montemos no burro
A ver se inda nos censuram".
Montam, mas ouvem de um lado
"apeiem-se almas de breu!
Querem matar o burrinho,
Aposto que não é seu?"
"Vamos ao chão" diz o velho,
que já não sei o que fazer!
O mundo está de tal sorte,
que não se pode entender.
É mau se monto no burro,
Se monta o rapaz, mau é.
Se ambos montamos é mau,
É mau se vamos a pé:
De tudo nos têm ralhado,
Agora que mais nos resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos ainda mais esta!"
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão:
Pega-lhe o rapaz nas pernas
E assim caminhando vão.
"Olhem dois loucos varridos!"
Ouvem com grande sussurro.
"Fazendo o mundo às avessas,
tornados burros do burro!"

O velho, então, pára e exclama,
"Do que observo me confundo,
Por mais qu'a gente se mate,
Nunca tapa a boca ao mundo!
Rapaz, vamos com dantes,
Sirvam-nos estas lições!
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações".
(de Curvo Semedo)

segunda-feira, abril 13, 2009

A caminho da Senhora do Incenso

As tristezas e jejuns da Quaresma haviam passado. As agonias da Semana Santa, em solidariedade cristã com as dores da Paixão do Senhor estavam quase a terminar. A meia-noite aproximava-se. Demasiado vagarosa para quem a ansiara durante 7 semanas. A claridade da Lua Cheia era bastante naquela agradável noite de Abril de uma Primavera que enchera já os campos de cores e odores e que o cuco anunciara, alegremente, desde o mês que passara. As lanternas, os candeeiros, as pinhas e as velas davam uma ajuda e os que chegavam iam-se reconhecendo e cumprimentando. Aproximava-se um dos momentos mais intensos da vida desta Aldeia. A meia-noite de Sábado Santo estava quase "a cair" e o Povo acotovelava-se, no adro da sua igreja, com a banda filarmónica, aguardando, com impaciência, as doze badaladas. Ei-las que batem: 1... 2... 3... 4.....12!!! Um morteiro rasga o céu...Pum!!! Os sinos repicam, festivamente, a banda desata a tocar e o Povo parte dali, anunciando a Ressurreição de Jesus, cantando as suas "Alvíssaras". Durante uma hora são percorridas as ruas do povoado, de capela em capela, até voltar junto da sua igreja paroquial. "Aleluia, Aleluia,/ Aleluia do prazer/ Já Cristo ressuscitou/ Para nunca mais morrer" ou "Levante-se, senhor prior/ Levante-se não durma tanto/ Nós já vimos da igreja/ Vamos para o Espírito Santo". Povo maroto. Mesmo no canto religioso nunca deixa a alfinetada... É o regresso a casa. A noite vai ser curta. A azáfama do almoço de Domingo de Pascoa. As "boas festas" da visita pascal. A merenda para a Senhora do Incenso. Enfim! Um rodopio, a sobrar para as "donas de casa". A garotada lá andou pelas casas dos padrinhos e dos avós, à procura de uma amêndoa, um doce ou uma bica. Naqueles tempos tudo era de aproveitar. Até uma moedinha. Que sorte!
A madrugada fora de cantares de rouxinol, numa noite ainda iluminada pela Lua a caminho do minguante. Toca a saltar da cama, que a caminhada é longa, quase duas horas a pé, por atalhos enlameados e a pular as poldras das ribeiras. A das Taliscas vá que não vá. Mas a da Ceife a meter respeito. Não raro o banho que não se deseja. Todo o cuidado é pouco. A azáfama da véspera fora mais que muita. As burras, que alguns afortunados montarão, mereceram mantas de trapos novas, às vezes uma colcha, nas albardas escovadas. Há cabrestos enfeitados com as flores que cobrem os campos ainda não lavrados ou que os gados ainda não pastaram. Normalmente alecrim ou rosmaninho, às vezes uma rosa. Que luxo! Não, não era como agora, flores aos milhões, nos baldios abandonados. Então, cada canto de terra era tratado com carinho. Dali ia depender o passar fome ou não. Muitas vezes nem assim se arranjava com que enganar o estômago. Mas voltemos à festa. A Aldeia tinha então muitos e muitos habitantes. Pelas nove horas de segunda-feira de Páscoa, no largo da fonte, iam-se juntando os mais madrugadores. Sem grandes combinações nem esquisitices. Quando o grupo parecia bastante, havia sempre um que dizia "Vamos?" "Vamos...", era a resposta pronta. E, assim, sucessivamente, não podendo haver grandes atrasos, pois a Missa era "pelo meio-dia". Ponto assente: mesmo os que chegassem primeiro, deviam esperar pelos últimos, à entrada do recinto, para se cantarem as alvíssaras a Nossa Senhora. Com a banda, se calhasse, com os adufes, de certeza. "Dai-me as alvíssaras, Senhora/ que as estou a merecer/ Ressuscitou vosso filho/ Para nunca mais morrer" ou "Ó Virgem Mãe do Incenso/ Quem vos varreu o terreiro/ Foi o ranchinho d'Aldeia/ Com raminhos de loureiro"... Ranchinho d'Aldeia, das Águas, da Meimoa, do Pedrógão, do Vale... Era assim. Uma festa!!!
Lembro-me de uma Missa Solene celebrada dentro da capela. Apinhada. Quase ia sufocando. Sem condições, pois a grande maioria ficava no vasto recinto, com pouca ou nenhuma atenção, mau grado os enormes altifalantes, em forma de sino. Depois, o bom senso, foi obrigando a que se fizesse a Missa campal. Para bem de todos. Do próprio objectivo da festa religiosa. Belos sermões lá ouvi. Os mais lembrados do Padre César Fatela, que não ficava satisfeito enquanto não fizesse chorar todas (ou quase todas) as Mães. Os Pais era mais difícil... Coração duro? Não, "um homem não chora". Seguia-se a procissão, banda filarmónica afinada, foguetes a estoirar. Um deslumbramento para a rapaziada e garotada daquele tempo. Lenços a acenar, uma última descarga de fogo - para "o recolher" - a banda a tocar, lágrimas a cair entre cânticos que saíam de gargantas apertadas e a imagem da Senhora do Incenso a entrar, devagarinho, na sua morada, assim acabava a procissão....
Passadas as emoções da alma e enquanto se enxugavam ainda as lágrimas mais teimosas, havia que olhar em frente e retemperar as forças dispendidas na caminhada e na celebração. Dar de comer ao corpo. Não havia oliveira em redor do recinto que não tivesse dois ou três burros amarrados. Um ou outro cavalo fazia o dono felizardo "impar" de vaidade. Nos ramos das árvores havia alforges dependurados, cabazes, cestos, bolsas. De pano. O plástico ainda não tomara conta das vidas de cada um. Aqui e além uma ou outra carroça. Os automóveis, há 50 anos, eram poucos. Os carros de aluguer do Araújo e do Zé "Paxá", de Penamacor, continuavam, numa roda viva, levando e trazendo gente de mais posses. As camionetas do "Martins Évora", que, durante a manhã, apinhadas até não se poder respirar, transportando os afortunados que podiam pagar 3,5 escudos por cabeça, descansavam, na beira da estrada, à sombra das matas da quinta do dr. Elvas. Havia alegria no ar. A festa ia continuar. Melhor, para alguns ia começar...
Num instante, famílias e amigos escolhem o lugar que lhes convém, uns dentro e outros fora do recinto, pois espaço é o que não falta. As mantas estendem-se na farta relva de uma Primavera que promete. Toalhas que só servem nestas ocasiões, aparecem, como por encanto, manipuladas por quem sabe e quem ama. Tarefa para esposas e mães. É um mundo seu, onde o homem não tem lugar. Estender a merenda!!! Ah! os homens, de garrafão na mão, vão já dando uns aos outros o copo do tinto tratado com carinho para ocasiões destas. "Prova lá deste?" "É bom, mas não ganha ao meu!!!" "Toma..."
É um encanto. O galo que ainda cantara Sexta-Feira Santa está ali ao alcance de dentes vorazes e muito apetite. O salpicão. Os pasteis de bacalhau. O queijo e as azeitonas. O cabrito ou o borrego, no forno. De lenha. Da Aldeia. O pão alvo, cozido com os borrachões, os biscoitos, os esquecidos, o pão-de-, os bolos de leite, em Sábado de Aleluia! Um arroz de galinha de comer e chorar por mais... As bicas de azeite! Ah! A grande surpresa, a saladadinha verde, comida pela primeira vez neste ano - ainda não havia os supermercados que "mataram" este encanto! - com as alfaces a serem acompanhadas, com carinho, a tapar e a destapar, não fosse a geada "queimá-las" numa noite de travessuras. Desde Fevereiro!!! E ainda as pataniscas de bacalhau, o esparregado, os ovos verdes... eu sei lá. Um milagre que só as mulheres e mães conseguiam fazer, à imitação de Maria, ali venerada. Trabalhar nos campos, arrumar a casa para as festas pascais, preparar roupas, aturar e tratar os filhos - e o marido!!! - a agora apresentar ali aquele banquete era mesmo um prodígio. Já disse, noutras ocasiões que os tempos não eram fáceis, mas "um dia não são dias"... As amarguras viriam depois. E este teria de ser a valer por um ano de sacrifícios e renúncias.
Bem comidos e melhor bebidos, era a vez de se andar a provar da vizinhança, se a confiança dava para isso. "Ó António, prova-me este paio!!!" "A minha Maria tem cá uma mão..." "Tá bom, tá..." E não se atrevia a acrescentar "Mas o da minha Carminda está melhor..." "O silêncio é de oiro" e já havia muitos garrafões vazios... Era o que faltava "estragar a festa" a contrariar "basófias"...
O sol não parava e já brilhava para os lados da Gardunha. Havia que apressar. Levantar restos e loiças. Dobrar toalhas e mantas. Meter tudo no sítio. Era ainda preciso ir "às tendas". Umas amêndoas paras os gaiatos - "cuidado que as do ano passado eram só farinha!" - uns "rosários" de pinhões - "nunca dês logo o que te pedem, senão és enganada" - um carrito de lata ou de madeita para as crianças - "coitadinhos, só brincam com aquilo que fazem de cortiça ou de madeira" - uma "caravela" para a garota - "há tanto tempo que anda a pedir-ma"... Há ainda ranchos que vão tocando adufes e cantando alvíssaras à volta da capela. A banda filarmónia dá voltas ao arraial. O povo gosta. De vez em quando, os foguetes rasgam o espaço e estoiram no ar, sempre apontados lá p´ra fora do recinto, "não vá o diabo tecê-las"... Um ou outro garoto corre atrás das canas e abraça-as, no seu contentamento. Julga ter-lhe saído a sorte, encontrando uma bomba que não estoirou. Que pode ser a sua desgraça...
Entardece.Grupos pas seiam e cumprimen tam-se. Da mesma Aldeia.Da Vila. De outras aldeias. Desejam-se "boas festas" uns aos outros e exclamam-se aleluias!
É preciso regressar. A tarde esvai-se, serena e acolhedora. Não viera a chuva prometida. "Hoje não, Mãe Santíssima, amanhã"... Uma entrada última na capela para mais um agradecimento. Um pedido. Uma vela. Uma "esmola"...
Aperta-se o coração, na hora da despedida. Uma lágrima furtiva. Entregam-se àquela Senhora os sonhos, os filhos, o casamento, os trabalhos... A vida. Confiadamente!
Está dada a partida. Cestos à cabeça. Garrafões nas mãos. Alforges dos animais de carga e abarrotar. O passo tem se ser apressado. A chegada ao destino terá de ser "com luz" . Por causa dos miúdos. "Mãe, quero colo" - chora um mais pequeno. "Deixa, que eu levo-o às cavalitas". Ora, o "venho da festa" tem que se lhe diga. Só quem experimentou!!! 
Já os pés tropeçam e os joelhos incham quando se entra na Aldeia. Há tão só forças para cantar as alvíssaras a Nossa Senhora da Graça. Que é a "nossa". Depois, soturnamente, cada um regressa ao seu poiso. Descalçar e meter os pés em água salgada. "P´ra que é que eu fui levar os sapatos novos?!" " Eu bem te avisei!!!" Não há resposta. Sem forças, comem-se restos. Depois, cada um se mete na cama e adormece. Com sono. De cansaço.
Amanhã, de novo, o confronto realidade. Pouco divertida. Quase sempre injusta!

sábado, abril 11, 2009

Ressuscitou!!! Aleluia!!!

Evangelho segundo S. Marcos 16,1-7.
Passado o sábado, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram perfumes para ir embalsamá-lO. De manhã, ao nascer do sol, muito cedo, no primeiro dia da semana, foram ao sepulcro. Diziam entre si: «Quem nos irá tirar a pedra da entrada do sepulcro?» Mas olharam e viram que a pedra tinha sido rolada para o lado; e era muito grande. Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram assustadas. Ele disse-lhes: «Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui. Vede o lugar onde o tinham depositado. Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: 'Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá O vereis, como vos tinha dito.»
Eu creio, Senhor! E canto aleleuias!!!

Senhora do Silêncio!

A Sexta Feira do Sofrimento, das Dores, da Paixão terminara, enfim! Mãe amantíssima, coração despedaçado, torturada pelo martírio de seu Filho, agora a repousar no sepulcro que a Caridade de um amigo lhe cedeu, Maria regressa ao abrigo onde os discípulos se esconderam para fugir da fúria da populaça. A mesma que, dias antes, O aclamara com hossanas e palmas.
"...O Todo Poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o Seu Nome. A Sua Misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do Seu braço e dispersou os soberbos..." consegue ainda cantar, como todos os dias fizera, desde aquele dia em que tudo começou. Maria da Esperança. Maria da Fé!
O sábado amanhecera sereno e luminoso, como não acontecia, há muito. Pareceu que a Natureza não quisera perturbar o sono do seu Criador. Também Maria se associa e recolhe-se perante o seu Senhor. Maria do Silêncio!
Mãe Santíssima, Mãe de Jesus Sepultado, minha Mãe, nossa Mãe, neste dia de Esperança e de Silêncio, venho pedir-te pelas nossas mães silenciosas e sem esperança: as mães que também perderam os filhos na guerra; s mães que perderam os filhos nos acidentes de trabalho e das estradas; ainda as mães que perderam os filhos nos caminhos tortuosos da vida, a droga, a prostituição e o crime; as mães que vêem os seus filhos amarrados, sem esperança, na cama de um hospital, numa cadeira de rodas ou metidos numa prisão; as mães que são maltratadas e desprezadas pelos filhos; as mães que se sentem incapazes de educar os seus filhos, ainda que pequeninos; as mães que, um dia, sentiram os filhos desaparecer das suas vidas sem nunca mais darem notícias; as mães que têm os filhos, cada dia, batendo de porta em porta, à procura de trabalho; as mães que, por falta da solidariedade e de amor, são obrigadas a matar os seus filhos, ainda dentro delas, indefesas e indefesos; as mães que vêem os seus filhos com empregos precários, mal pagos e mal amados, numa sociedade iníqua e exploradora dos mais fracos. Mãe do Silêncio, numa palavra, neste dia do silêncio, enquanto esperas aleluias a cantar, confio-te o sofrimento silencioso de todas as mães que sofrem no mundo inteiro. Oh! Mãe de todas as mães, ensina-nos a esperar, como Tu, com Esperança. E a acreditar nessa esperança como tu acreditaste.
Ó Mãe, esta aprendi-a no meu "cursilho de cristandade", talvez o momento em que mais perto estive de teu Filho. Não estranhes que ta ofereça, Mãe, pois ela canta a Esperança de uma Primavera que cheia de vida...

sexta-feira, abril 10, 2009

Hoje, é Sexta Feira Santa!!!

Carta aos Hebreus 4,14-16.5,7-9.
Uma vez que temos um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus, conservemos firme a fé que professamos. De facto, não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós, excepto no pecado. Aproximemo-nos, então, com grande confiança, do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e encontrar graça para uma ajuda oportuna. Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu e, tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna.

sábado, abril 04, 2009

Fazer anos????!!!!!


Dia de anos



Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira[1]
Vinte e seis anos[2]! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!



Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora, o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo. Coitado!

Não faça tal, porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho.
Faça outra coisa, que, em suma,
Não fazer coisa nenhuma
Também lhe não aconselho.

Mas anos... Não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!

João de Deus, poeta e pedagogo

[1] . Sábado, hoje, dia 4.
[2] . 26??? Sim, e ...6, mas não 26!!! Errou o poeta. Acertou o calendário.
Tinha de ser!!! Ofereço a mim mesmo, recordando a minha Mãe!!!!Graças a Deus!!!