quinta-feira, outubro 20, 2011

Instrução, Educação e Informação em Aldeia - 2

4. A Casa de Trabalho
Jovens nascidas em meio rural profundo e criadas no campo, podiam fazer toda a sua vida sem horizonte que fosse para além de Monsanto ou de Penamacor. Grande parte das nossas adolescentes não frequentava a Escola e, assim, nasciam como “bichos” e quase como “bichos” cresciam e viviam. O seu “saber” não poderia estar muito além daquilo que, de suas mães, avós e vizinhas tinham aprendido. Portanto, uma educação e instrução reduzidas ao mínimo. Mas não quero confundir educação e instrução, pois educação não faltava, à nossa maneira.
Nesse tempo, a nossa Aldeia dispunha de um “elite” burguesa ligada à exploração dos campos e dos que neles suavam e calejavam de sol a sol. Vou dar mais relevo aos jovens filhos da Casa Grande. Haviam frequentado outras escolas,  “tocavam piano e falavam francês”. De regresso ao lar paterno, à espera de casamento que lhes abrisse as portas de um mundo que se lhes descortinara, sensibilidade bem mais aberta que a dos seus progenitores na relação com os seus desafortunados conterrâneos, assentaram que era possível dar algo de melhor e diferente, um pouco de sonho e de magia à nossa gente nova. Assim, nasce a Casa de Trabalho, local de formação e doutrinação. Destinada exclusivamente a ser frequentada pelas nossas jovens, ali se ensinou e se aprendeu a falar melhor, a cantar, a representar, a bordar, a dançar, a "saber estar"... Como na UNIÃO ali se fez teatro de variedades. Numa rivalidade nem sempre sadia, chegou a haver estreia de espetáculos, em simultâneo, na mesma noite. Esclarece-se que a União acolhia os rapazes e a Casa de Trabalho recebia as moças.
Num tempo em que os bailes eram frequentes, a incompatibilidade entre as duas situações várias vezes foi notória, dando origem a questões entre familiares e namorados.
No desenvolvimento das atividades da Casa de Trabalho notabiliza-se, de novo, a Senhora D. Gervásia, como era de todos conhecida e por todos assim tratada, e a das Senhoras/Meninas das casas maiores.
O rigor na gestão desta Casa de Trabalho era de tal maneira que, no fim das atividades, pela noite dentro, cada jovem era entregue, pessoalmente, aos seus pais, em sua casa. Não fosse “o diabo tecê-las”…
Outros tempos, outros educadores, outras responsabilidades. Do oitenta para… o oito!    
5. Os comediantes
Apareciam, de vez em quando. Artistas pobres para gente pobre. Quase sempre um grupo familiar, palmilhando caminhos e estradas, de terra em terra, em busca de quem com fome lhes matasse a fome que traziam. Na Aldeia, havia sempre uma loja ou um palheiro a que se acolhessem. As “comédias” apresentavam-se quase sempre ao ar livre, roda de gente sentada no chão ou de pé, à luz de lampiões, lanternas e candeeiros. O “Petromax” já era de gente mais “rica”. No largo da Fonte ou no Largo do Pereiro. Aqui, a loja da Ti Emília Cartola, coração grande e generoso, servia-lhes de poiso e camarim. As habilidades de uma contorcionista menina, ossos a querer saltar da pele, ou uma rapariguinha, quase envergonhada de mostrar as pernas àqueles olhos gulosos, equilibrista numa tábua sobre um rolo em cima de uma mesa emprestada. O rapaz malabarista com as bolas ou archotes a "espantar" a nossa gente. A mãe e o pai a fazerem de quase tudo: truques de magia que soltavam ohs!!! de espanto, e o mais apreciado de todos os números, o dos palhaços, com brincadeiras divertidas  alguma piada dirigida a membros da população – a informação era mais discreta do que a dos nossos SI's… - e com números simples e divertidos, que se fixavam nas memórias dos populares, por muito tempo:
- Ó Zé B’roa, ó Zé B’roa, olha o pau, olha a moca!!!
Este e outros motes seriam repetidos pela garotada e pelos adultos, até à exaustão.
Também por esta via chegavam à Aldeia as canções da cidade. Sem acompanhamento musical ou com ele. Trompete, guitarra, realejo. Ou a solo. Com os palhaços…
Chegava a hora de receber o pagamento  pelo trabalho apresentado. Chapéu na mão, quase sempre as Crianças, iam passando pela assistência, em roda, donde pingavam pequenas moedas, duas batatas, uma mancheia de feijões, um naco de pão, uma cebola, um bocado de queijo ou de toucinho… Alguns a fugirem das suas “responsabilidades” e a não contribuírem, trocando a sua condição de explorados pela de exploradores. Nem sempre tinham de seu para dar…
6. Os cantadores ambulantes
Apareciam muito nos mercados e feiras da Vila. Cá ao fundo, junto à loja do senhor Alberto, onde toda a gente “tinha” da passar. Ou no passeio em frente do jardim.
Ao som de uma velha sanfona, da viola, da guitarra, do bandolim, quase sempre desafinados, iam cantando e tentando vender as letras das canções estampadas em papel com fotografias difíceis de reconhecer dos nossos cantantes da época.
Muitas vezes, as músicas eram adaptadas a quadras que recontavam tragédias da nossa gente. “Uma rapariga solteira, que andava na malhadeira…” e que lá caiu. Morte certa, cantada de terra em terra. Por este meio podiam chegar-nos também músicas de sucesso lá na Capital e que, assim, passavam de boca em boca, sem grande preocupação de fidelidade ao original.
7. A Imprensa
Vivia-se quase na ignorância do “mundo longínquo” – que podia ser para lá de Castelo Branco As notícias chegavam pelos jornais - quase só interessavam as das guerras próximas, também a fazerem sofrer o nosso Povo - e, como as cantigas, iam de porta em porta, de boca em boca. Chegavam a Aldeia, diariamente, em exemplares do “Diário de Notícias” e de “O Século”.
  Os dois diários  eram recebidos pelos correspondentes, José Lopes Fixe e Pedro José do Amaral, em troca de eventual serviço a prestar com o envio de notícias locais, o que raramente acontecia. Chegavam pelo correio de Lisboa, de comboio até à Fatela; de camioneta, até Penamacor. Transportados dentro da “mala” de correio até Aldeia pela Ti Rosa Chora, fizesse frio ou calor, chovesse ou com “bom tempo”, a pé ou atrás da sua burra, todos os dias, sem falhar. Uma pessoa a lembrar aqui. Qualquer recado para a Vila ela aviava. Educada, simpática e meiga para todos, com ela não havia risco de o correio não chegar ou de os vales serem roubados. Uma Mulher!
Os jornais diários apareciam um ou dois dias após a sua publicação. Noticia rara que fosse enviada de Aldeia para as redações só dela se saberia, entre nós,  8 ou 10 dias depois. Os destinatários dos jornais informavam-se e informavam. Quase sempre coisas da Guerra. Da Espanha. Da Grande. E das sequelas... O "papel de jornal" impresso com tinta deixava as mãos bem sujas. Serviam depois para a garotada “forrar os livros”, trabalho pouco eficaz, dada a natureza do material empregado. Nesta complicada tarefa do manter limpos os livros, alguns dos gaiatos iam despertando a sua curiosidade pela leitura fora dos livros escolares.
O “Almanaque de S. Miguel”, editado pela Igreja, entrava em muitas das nossas casas. Para além do calendário anual com os dias e nomes dos Santos, ali poderia ser encontrada informação útil para a agricultura, datas de feiras e mercados, notícias de carácter geral, conselhos, adivinhas e pequenas anedotas. Apreciadas eram a segunda e penúltima páginas, numa se fazendo um “prognóstico” do ano que começava e na outra o “juízo da ano” que acabava.
“O Amigo da Verdade”, mensário católico ainda hoje editado na Guarda, nas suas quatro página informava a paróquia da vida da igreja diocesana e universal, com um ou outro artigo de formação e estudo. Num tempo bem “fechado” eram publicações ortodoxas e conservadoras. 
Na passagem para os anos 60, o transistor e a TV a chegarem e a guerra do Ultramar ali tão perto, por iniciativa do Pároco, José Martins Gonçalves Pedro, um Padre para quem os sinos do Vaticano II já tocavam, surge, entre nós um pequeno jornal, "Aldeias Unidas", destinado não a trazer, mas a levar notícias das Aldeias para os nossos migrantes internos e na Europa.  A debandada começara. Até não haver mais quem debandasse.
Os nossos jovens avançavam para outros horizontes, outras escolas e os sonhos começavam. É um período em que a gente moça mantém a página do Concelho de Penamacor no semanário "Notícias da Covilhã", editada com regularidade. O direito a informar e a informar-se começa a dar outro sentido à vida da Aldeia, das aldeias. Os estudantes, com destaque para os seminaristas, e os filhos dos migrantes haviam de abrir estradas para um mundo novo. Não tenho a certeza, hoje, de que fosse melhor.
8. Os tocadores de concertina:
 Fixos eram os bailes do madeiro, do fim da colheita da azeitona, do "dar o nome" ou do recenseamento militar e dos das "sortes", alguns já aqui contados. Também os das festas populares e das religiosas. Muitos ao ar livre. Épocas havia em que os bailes eram quase semanais. Nós tínhamos a Banda; aldeias em roda tinham o seu tocador. E até dois e três. Por aqui, os mais conhecidos e assíduos eram o Zé Manel e o Zé Fonseca, ambos da vizinha freguesia de Aranhas. Também o Silva, o Alziro, o Castilho... de mais longe.
Que tipo de cultura podemos tirar daqui? A dança, o canto, a música. “A cultura é aquilo que fica depois de esquecermos o que aprendemos”, escreveu alguém. E, no ouvido, na alma, no corpo, muita coisa ficou. Também as cantigas da cidade nos chegavam com estes homens. Assisti a tentativas dos nossos conterrâneos para cantarem com acompanhamento da concertina. Tínhamos dançadores exímios, à nossa moda. O meu Pai e a minha Mãe dançavam tão bem!!! Os jovens casais dançavam e as muitas crianças, de volta, a verem e a “ensaiarem”. Os bailes ocorriam na sede da União, em casas particulares, no alcatrão da estrada e nos largos. Também pelos tocadores vinha informação do que se passava nas localidades por onde passavam, nos arredores.
Sem conseguir ser exaustivo, não é o objetivo, fica para os leitores que tiveram fôlego para me acompanhar, a imagem do que se viveu entre nós num tempo em que a Aldeia palpitava de vida, ruído, música, tradições, trabalhos muitos e penosos. E onde muito se sonhava com melhores dias, melhores vidas. E termino sem ter a certeza de que tal nos aconteceu. Da Aldeia fizemos aquilo que ela é, hoje. Um "deserto"... uma grande saudade!
Texto composto a partir das memórias do autor. As duas primeiras fotos são do autor e as quatro restantes foram retiradas da internet.
Em homenagem à nossa maior acordeonista "tirei" do Youtube.

terça-feira, outubro 18, 2011

Uma ponte de Esperança...

Decorria o ano de 2003, quando de S. Tomé chegou a Setúbal um apelo de socorro em favor das Crianças mais pobres, órfãs, maltratadas e abandonadas. A Cáritas diocesana de Setúbal agarrou a ideia e promoveu junto das pessoas mais próximas a ideia de era possível fazer alguma coisa boa e imediata. Passar das intenções à prática foi um passo e logo surgiram as primeiras dezenas  de “padrinhos” e “madrinhas” para apoiar quem precisava, ainda que lá bem longe.
  Em ligação com os serviços da Igreja Católica locais surgem “centros” de apoio na cidade de S. Tomé, nos Angolares, em Ribeira Afonso e nas Neves. Desde então lá foram e vão acolher-se os mais pobres de entre os pobres, em procura de ajuda traduzida em alimentação, vestuário, acolhimento e educação.
A fim de dão coesão ao grupo, com pessoas de Norte a sul de Portugal, a Cáritas convoca os membros deste “movimento” e reúne-os em festa de convívio, também com o fim de obter mais financiamentos a aplicar no bem estar das Crianças a quem devemos, em Justiça, uma melhor qualidade das suas vidas ainda tão curtas.
O local escolhido em 2011 não foi difícil de encontrar: a Casa Ermelinda Freitas colocou as suas magníficas instalações à disposição da Cáritas e para lá nos dirigimos. A festa e o encontro haviam de acontecer.
No passado sábado, a manhã quente, como todas as deste mês de Outubro, levou os participantes até ao simpático lugar de Fernando Pó… A Dr.ª Leonor – a Casa tem o nome de sua Mãe – iniciou a visita guiada pelas adegas, caves e lagares, para serem vistas e explicadas coisas que não imaginamos quando olhamos para as garrafas, no supermercado. Passeio cheio de interesse, bem como as explicações da anfitriã.
O encontro passou para o salão de festas, de cujo terraço se avista uma paisagem de sonho, vinhas e mais vinhas bem tratadas, folhas já nas tonalidades de um Outono que não quer chegar.
O almoço foi confecionado com orientação nas receitas do Chefe João Silva. Sinceramente, não fiquei “convencido”. A refeição era farta, mas faltavam ali os produtos, os sabores e os cheiros originais de S. Tomé e Príncipe. A mão e a presença do Mestre. E aconteceu toda a diferença.
Depois os testemunhos e as fotografias, dezenas e dezenas de Crianças, olhos cheios de esperança, que nos compete fazer crescer e alimentar. No corpo e na alma. Também o apelo para que se dinamize  o aparecimento de novos “padrinhos”,  já que as “desistências” somadas ao aparecimento de mais Crianças em risco tornam muito urgente esta missão.
Aconteceu, para encanto dos presentes, a passagem de modelos com trajes de S. Tomé e Príncipe. Um encanto que me deu a ver, com olhos bem abertos, o que não me dera conta nos cinco anos em que vivi nas Ilhas do meio do Mundo. Bem hajam as mulheres de S. Tomé, ali representadas pela associação MENON!
Alguns de nós desejam visitar aquela terra bendita, por mais uma vez. Outros sentem o forte apelo no que veem e no que ouvem. Assim, a discussão para organização de um passeio visita às Ilhas encantadas do Equador surgiu, naturalmente. Os preços da A. de Viagens até parecem razoáveis, mas também por aqui se vivem dias bem difíceis… Oxalá nasça luz!
O sol escondia-se lá bem atrás do castelo de Palmela e era tempo de cada um regressar a sua casa. Às palavras solidariedade e fraternidade há que continuar a dar sentido. Humanista. Cristão.
Saber mais:

quarta-feira, outubro 12, 2011

Instrução, Cultura e Informação na Aldeia 1

Numa época em que as trevas da noite tomavam conta da Aldeia logo a seguir ao pôr de sol, não era fácil descobrir preencher "espaços", depois do trabalho duro na agricultura e na pecuária, donde saía o sustento de cada dia de quase toda a nossa Gente. Regresso a casa,  comer a ceia frugal e… depois,  à volta do lume, ficar de conversa sobre "a vida", ou a contar histórias de bruxas, lobisomens e almas do outro mundo, narrar um conto tradicional ou tirado dos livros da escola, a terminar num conceito educativo, enquanto se preparava o almoço da manhã seguinte, se dava um jeito nas roupas usadas…  Havia lugar ainda para momentos de namoro arranjado ou sentido, ali, à vista de todos. Também encostados na ombreira da porta ou da janela para a rua,  “de gargarejo”… Enfim, a cama! Para a maioria era um "deitar cedo e cedo erguer..."  Deste modo o crescimento na instrução, na cultura, na moral e no civismo era assente nos valores cristãos que impregnavam, por tradição ou opção, o ambiente bem fechado em que vivia a população, por toda uma vida.
Não havia rádios, muito menos televisão, só poucos livros escolares que "deviam" passar de irmão para irmão e que podiam ali ser chamados "a desoras" para a "cópia" do dia que a brincadeira ou o trabalho da tarde descuidara. Assim mesmo, à luz de um candeeiro, quando não da fogueira, sem papel nem caneta ou lápis, na "pedra" ou "lousa" de ardósia, "ponteiro" para escrever. Tempos em que -  escutado da minha madrinha, 95 anos radiosos e inteligentes - “era uma Mocidade muito bonita em que nenhum faltava ao respeito ao outro”.
 Vou aqui fazer uma resenha tão precisa quanto possível da maneira de viver da Gente de Aldeia, nas décadas 20-50, para além da árdua tarefa de angariar “o pão nosso de cada dia”, descrita em capítulos anteriores.
 Vão elencados os principais agentes da formação e da informação ativos nesta nossa Comunidade e o papel que coube a cada um deles: a Igreja, a Escola, a Banda, a Casa de Trabalho, os Comediantes, os Cantadores ambulantes, a Imprensa e os Tocadores de concertina.
 1.  A Igreja
Competia à Igreja a formação moral e religiosa das pessoas, o ministrar dos Sacramentos e a evangelização do Povo, nem sempre no sentido da Libertação anunciada por Jesus Cristo, antes na conformação com a pobreza e com o sofrimento, na aceitação da humildade e da obediência. No entanto, a Igreja punha o Povo a cantar, trazia notícias do seu mundo restrito, fazia as celebrações, “promovia” a festa e obrigava ao descanso dominical e ao dos dias santificados.
Nestas décadas, teve influência decisiva, em várias gerações, o Padre José Maria Lopes Nogueira que, já no final da monarquia havia por aqui andado e criara a banda filarmónica.
 O mais importante serviço da Igreja era prestado à comunidade juvenil, a Catequese, frequentada por dezenas e dezenas de Crianças, onde se procurava aprofundar, completar a formação cristã de cada um, iniciada em quase todas as famílias. Dirigiu a Catequese a prof. D. Gervásia Andrade Costa, de quem se voltará a falar. Tendo decidido habitar em Aldeia e permanecer solteira, dedicou, generosamente, a sua vida a instruir, a educar e a amar a nossa mocidade. Injustamente, uma personagem esquecida no passado da nossa terra e de quem aqui quero deixar memória. Preparava as catequistas de entre as jovens da sua confiança, suas ex-alunas e frequentadoras da Casa de Trabalho. Não será de mais aqui evidenciar a sua notável influência na formação da gente nova do seu tempo.
A Catequese preparava a primeira Comunhão, pelos 7 anos; a Comunhão solene lá pelos 12 e, muito raramente, o Crisma dos adolescentes e adultos. A comunhão solene era um dos momentos mais festivos na vida da comunidade paroquial. Chegava no princípio do Outono, depois de se terem aproveitado as férias das Crianças e dos seminaristas para para um trabalho mais profundo e fecundo, embora na Catequese fossem ministradas mais fórmulas para a memória do que o estudo do Evangelho e da mensagem bíblica.  Com grande parte do cerimonial da Missa em Latim, não era fácil despertar a atenção e, sobretudo, o coração de muitos dos praticantes. O concílio Vaticano II ainda não era sequer sonhado...
É neste período que seis sacerdotes são ordenados e são "cantadas" seis "missas novas". Os nomes, para que conste: Padres Agostinho, Alberto, Artur, Jaime, José Joaquim e Gama.  
 2.  A Escola
 Há notícia do funcionamento da escola e de existência de professores, desde o último quartel do séc. XIX. No que se refere ao período em apreço, são mais evidentes os papéis dos professores D. Gervásia, Justino, Moreira, Teodósio e D. Celeste. Muitos foram os alunos que passaram pelas suas aulas. Na década de 20  lecciona-se aqui o ensino até à 6ª. Classe, situação que se degradou com o advento do Estado Novo.
A prof. D. Gervásia passou a maior parte da sua vida docente nesta Aldeia e aqui chegou ao fim da sua caminhada terrena. Um marco notável entre nós, muito querida, mesmo amada de todos, foi justamente homenageada no fim da sua carreira docente, festa que coincidiu com a inauguração da escola nova do Plano dos Centenários, no dobrar do século XX.
Foi com mágoa que toda a população sentiu a oposição dos familiares a que ficasse sepultada aqui. Em vida sentira-se uma de nós! Aldeia está a dever-lhe, ainda hoje, uma outra homenagem que perpetue a sua memória e a faça recordar pelos que depois dela vieram.
3.  A União
Fundada a nossa Banda ainda antes da implantação da República, com o mérito da população bem dinamizada pelo então pároco, padre José Maria Lopes Nogueira, teve de se assumir com “a prata da casa” e ir vivendo, com altos e baixos, quando aquele sacerdote fugiu da perseguição republicana às suas ideias monárquicas.
Ao longo de mais de um século, centenas e centenas de jovens aqui fizeram a sua aprendizagem musical, enveredando muitos pela profissionalização nas bandas das forças armadas e de segurança. Ao redor da Banda, o Povo ia construindo a sua União. Mesmo os não executantes iam apurando o ouvido e a voz, quer cantando em conjunto com a Banda, quer em grupo ou individualmente. A Banda desenvolveu o espírito de equipa, disciplina, solidariedade  e cooperação, bem patentes no nosso Povo na construção da sua sede, na reconstrução da igreja paroquial e na do centro social. A população revia-se na Banda e por ela se sentia educada e feliz. De entre os Mestres que conheci, para além do padre José Maria, tenho de salientar o Ti ´Stonho, a “tapar buracos” quando outros falhavam; o Ti Matos, excelente músico da minha infância, que tanto admirei, anos e anos, nos seus gestos exuberantes e no levantar das sobrancelhas farfalhudas, quando as coisas não lhe corriam bem nos ensaios ou nas exibições públicas; o 1º. Sargento Músico Jaime Rei, um apaixonado pela Música e por Aldeia, membro de uma família melómana e de grande dedicação à Banda. 
 Na sede da Banda chegou a realizar-se teatro de revista com a gente moça de Aldeia que, às vezes, sem saber ler ou mal entendendo o que lia, subia ao palco lá construído para alegria da população. Fez história um espetáculo levado à cena, em que uma das canções tinha a letra apanhando quase todos os "apelidos" ou alcunhas de Aldeia e que começava assim: “Rin-tin-tin cá na terra sou o Pechim, mas se me chamam Piorreco, respondo que sou o Feco…!” Obra do Mestre Jaime Rei,
Além dos ensaios da Banda, na sua sede realizaram-se centenas de bailes, alguns espetáculos de “comédias” – falaremos adiante – fizeram-se projeções cinematográficas. Vi o primeiro “filme” da minha vida, o casamento da rainha Isabel II… “Espetáculo” foi também ver as pessoas a gritar com medo que as rodas do coche saltassem do coche...
Assistir aos ensaios da Banda era uma das atividades preferidas dos nossos homens e rapazes e forma de os tirar da taberna; adormecer ao som dos instrumentos a tocar nos  ensaios era uma boa maneira dispensar os calmantes e dar bons sonhos à restante população.
Para a História: Os Estatutos da União foram aprovados por alvará do Governo Civil de 15.01.1924, tendo por sócios fundadores os senhores Jaime d'Aguilar Simões, Luís Leitão Mendes, José Joaquim Moreira e Tenentes António Manuel Ribeiro e  Domingos Antunes. 
Constituíram  a primeira Direcção formal os senhores Jaime d'Aguilar Simões (Presidente), José Joaquim Moreira (Tesoureiro) e Luís Leitão Mendes (Secretário). (Alguns dados históricos recolhidos em "O Concelho de Penamacor na História, na Tradição e na Lenda" de J. Manuel Landeiro, e em  "Banda filarmónica de Aldeia de João Pires" de M. Lopes Marcelo
Fim da 1ª. parte)