segunda-feira, dezembro 19, 2011

Dia de Natal, por António Gedeão

Dia de Natal
 
Hoje é dia de ser bom.
...
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

terça-feira, dezembro 06, 2011

A saúde na Aldeia 2

- Maria, então o burro? Já deste de comer ao burro!!! 
Foi assim que, no dealbar da segunda metade do século XX, a população, a beber água de fontes e poços contaminados, se encontrou vítima de uma epidemia de febre tifoide, que só não causou uma calamidade porque os antibióticos estava a chegar ao nosso Concelho e ao seu Hospital de Santo António.
- Ai, filho, esta febre não é normal. Trinta e nove graus!!! Mas que fizeste tu…
- Tanto frio, Mãe. Ponha-me mais um cobertor…
A noite foi longa e mal passada. A custo se pôs de pé. A Mãe “esqueceu” o trabalho e a camioneta da manhã levou-os até à Vila.
Ouvida a história da “excursão” do dia anterior, o médico tentou não dramatizar a situação. "Aquele calor, aquela água fria,  esta rapaziada não ganha juizo, pode ser uma pneumonia…"
- Tenho o hospital cheio e não te posso internar, mas isso vai passar; és novo e p´rá semana já andas a correr e saltar. Lá vão quatro injeções de 300.000 UI de Penicilina…
– Penicilina?!  O que é isso?! As injeções doem? Quem é que vai dar?
- Lá na Aldeia, a Menina Maria Adelaide parece que sabe alguma coisa… - adianta a Mãe.
- Quanto é Sr. Doutor?
- São "só" vinte escudos.
Receita aviada:
- São "só" trinta escudos...
 Regresso de táxi:
-  São "só" vinte e cinco escudos…
A Menina Maria Adelaide Simões era um anjo na nossa Aldeia. Catequista e "enfermeira". Gratuitamente, tratava de tudo e de todos: cabeças partidas, cortes de faca ou de podoa, pensos, unhas encravadas, calos dolorosos... lá ia o pessoal em procura de cuidado. Com o aparecimento das primeiras injeções também ela quis "aprender a dar" e lá tinha a sua caixa de seringas e agulhas que, fervidas, serviam para toda a gente. Embora, nesta área, a “clientela” não fosse muita. Injeção, traseiro à mosta, "antes morrer"...
E tanto fazia o seu trabalho em casa de sua mãe, onde vivia, como nas humildes moradas dos doentes, se a deslocação destes se tornava muito difícil.
Quatro dias e quatro doses de Penicilina depois a situação não deu sinais de melhorar… A febre atenuava, mas voltava. Sempre alta…
Era forçosa nova ida ao médico. Que, ao ver o doente, fez "cara feia" e torceu o nariz. No entanto, nova receita, novo acreditar no que "estava errado" e, com idas ao médico e vindas do médico, se esgotam quase duas sofridas semanas. 
- Não há volta a dar... tenho de te internar. Ficas deitado numa maca e depois logo se vê. Vamos tirar sangue e e recolher fezes para mandar para Castelo Branco para fazerem análises e termos a certeza do que tens... É capaz de ser o tifo. Anda por aí e tenho lá vários doentes… Quando houver vaga… terás uma cama… Para já vais comer muito pouco: aguinha de canja e nada de alimentos sólidos… Muito gelo na barriga. De três em três horas o saco de borracha tem de ser mudado.
Não foi fácil a separação da mãe e do filho. Coração de mãe adivinha sempre!
Feitas as recolhas para as análises, enviadas pelo correio, com resposta a ser dada também pelo correio. Podia demorar oito dias. Em casos de gravidade comprovada quatro ou cinco. Pelo telefone.
Já numa cama da “enfermaria dos homens”, um enorme salão com duas filas de quinze a vinte camas, cabeceiras encostadas às grossas paredes, enormes janelas envidraçadas,  a privacidade nos tratamentos era conseguida com a colocação de biombos.
O estado do doente piorava, desesperadamente. Nada detinha aquele febrão. Na ausência de medicação adequada por dúvidas no diagnóstico… o "estado de coma" não se fez esperar três ou quatro dias depois. Aquela mãe, sem falhar uma hora da “visita a doentes” sente que só Deus e ela podem salvar um dos filhos do seu coração. O idoso enfermeiro não tinha condições para cumprir as mudanças regulares do gelo sobre a barriga do paciente. Conseguiu autorização desesperada para pernoitar junto da cama do enfermo. Numa cadeira. De três em três lá vai à “casa do gelo” encher o saco de borracha. Sem falhar, passando pela “casa mortuária", apesar do “medo dos mortos" que sempre apregoou. De Castelo Branco os resultados das análises são dados pelo telefone. Febre tifoide em estado de enorme gravidade. Era preciso “atacar”… Um novo antibiótico, o Cloranfenicol, é aplicado com regularidade, apesar e por causa da situação do doente. Antibiótico de oito em oito horas  e gelo de três em três . Ninguém desiste, mas o estado comatoso não se altera. Só um milagre. Que era pedido com insistência. Com Fé. Com Esperança…
Ao sexto dia “ausência” o jovem abre os olhos e ouve-se num leve murmúrio:
- Mãe, onde estou?!
Depois o milagre, a juventude e o querer viver fazem o resto. Emparado, reaprende a caminhar e foi um longo período de recuperação. Mais de um mês.
- Maria, então o burro?! Dá de comer ao burro!!!
A exclamação de desespero ouvia-se por toda a enfermaria, despertando sorrisos compassivos ou comentários cínicos.
- Quem é?! Que quer ele?!
Um idoso de Pedrógão havia sido internado, dias antes, em estado grave. Pela doença e pela idade.
No entanto, fruto de uma convivência de muitos anos de trabalhos e cumplicidades não havia de  esquecer o velho e fiel amigo, naquela hora difícil.
- Maria, então o burro? Já deste de comer ao burro? – ainda se ouviu durante uns poucos dias, a voz cada vez mais frágil. O amigo ainda e sempre a não esquecer o seu amigo. Os sorrisos trocistas foram-se acomodando e aquela gente que vivia, muitas vezes sobrevivia, do trabalho e companhia de tão manso animal, acabou por sentir a mágoa daquele homem e foi-se-lhe associando num misto de ternura e cumplicidade, agora sem os sorrisos de mofa.
- Ó Maria, então o burro? Dá de comer ao burro… - ouviu-o ainda no anoitecer daquele dia de fim de Verão.
Depois teria a certeza de que o Ti Cardoso levara a lembrança do seu burro até ao último minuto da sua consciência.
E o ti Cardoso lá foi. De forma diferente daquela como entrara, já tão débil. Agora sem dores nem saudades do seu burro...
O jovem ainda por ali ficou, até ao princípio de Outubro. Recorda, até hoje,  o carinho das gentes de Penamacor, da visita em quase romaria ao seu hospital, aos seus doentes, todos os domingos, após a saída da Missa do meio-dia, com um sorriso nos lábios, a perguntar de cama em cama:
- Então, está melhor?!
Outros tempo de solidariedade e Caridade!!!
E, convictamente, o comentário de “coitado, tão jovem, não escapa…” a transformar-se num sorriso de ”olha... temos homem!; do que tu te livraste!”…

Em memória da minha Mãe. E do meu Pai.  Da minha Avó Emília. Aos meus Irmãos.
Lembro ainda o Povo da minha Aldeia, sempre solidário; o Dr. António Moutinho, rezingão e teimoso, mas que soube depois "portar-se  bem"; o senhor Arciprestre P. António Baltasar, que me "ouviu" de confissão e administrou a Santa Unção e sempre que podia ali se fazia presente; o Enf. Sr. João, que faleceu pouco depois de doença que "adivinhou; a enfermeira "Menina" Lia, da "enfermaria das mulheres," mas atenta; a prof. D. Olívia e Prof. Armando, que colocaram o seu carro ao dispor e se tornaram discretamente sempre presentes; os meus jovens amigos de Aldeia que levaram a cabo a peça de teatro que vínhamos ensaiando em que o "artista principal" - diz o Jorge, "era eu"...
Ai a Juventude!!! Temos de dar um passo em frente: vida militar e vida profissional. Até qualquer dia... se Deus quiser. Obrigado por terem chegado ao fim. O história do burro foi verdadeira. Como o resto.
Fotos da internet. Uma especial do meu Amigo Zé Morgas..

A saúde na Aldeia 1

- Ó Maria, então o burro?! 
Num Verão quente, aquele dia 14 de Agosto abrasava. O grupo há muito que  planeara o passeio. Sem os Pais darem conta pois, nesse tempo, os 18 anos não serviam de carta de alforria para que cada um fizesse o que lhe desse na gana... Bicicletas próprias ou tomadas de empréstimo, depois de jantar pelo meio-dia, Sol a pique, aí vão eles a caminho da vizinha freguesia de Salvador. A estrada macadamizada era uma desgraça, mais terra com buracos do que pedras, quase sempre soltas.
Logo a seguir à de Aranhas,  sempre a subir, suor a escorrer em bica pelas testas e faces avermelhadas, a boca seca, seca e as forças a faltarem, encostaram numa sombra e disse um deles:
- Não consigo mais! Preciso de água… água bem fresca!
- Mas onde?
- A serra é farta e há sempre uma fonte…
Realmente, a água fresca e cristalina a jorrar estava mesmo ali, à beira do “caminho” e foi beber… beber… dessedentaram-se, refrescaram-se …
Umas muitas pedaladas até lá acima a esgotaram-se as forças. Depois foi só a descer. Estavam no Salvador. Faltava o regresso…
Naquele tempo e em férias, a juventude abundava por estas  aldeias da Beira interior e havia sempre conhecidos, familiares e amigos. Um pouco de conversa, bebidos uns pirolitos e umas laranjadas e o regresso teve de fazer-se. Mais penoso, as forças a faltarem…
Já o Sol abrandara o seu calor e a tarde caminhava para o fim, quando ele, cambaleante, entrou em casa. Apesar do calor, o frio subia-lhe pela espinha e tremia. Que frio!
- De onde é que vens? Que maluqueira foi esta? Que te aconteceu? Ai filho, filho, quando é que tomas juízo?!
Não era fácil a vida dos nossos camponeses. Trabalhar sempre. Mesmo com poucas forças. Só nos domingos e dias santos algum alívio…
As doenças não eram raras e o tratamento quase sempre de curandeira e de tradição. Chás das mais variadas espécies das nossas ervas, cada qual para um dado efeito, água de malvas, “unto sem sal”, rezas e benzeduras, defumadouros, “aguardente queimada” com açúcar, “escalda pés”, “suadouros”, vinho quente,  ventosas, sangrias... Nascia-se e morria-se, por vezes, sem ter conhecido o médico.
 Logo no nascimento, o delicado trabalho era acompanhado pela “parteira” da terra – a Ti Matilde – uma “curiosa” que “recebia” grande parte da garotada aqui na Aldeia. A parturiente ficava em pé, a criança era recolhida numa toalha e “Deus punha a mão”. Depois a avó, a ti Matilde e a jovem mãe haviam de conseguir… Tudo feito sem qualquer preparação científica, sem uma análise, sem um exame, sem uma ida ao médico, antes acreditando no saber a passar de geração em geração e pondo-o em prática. E em Deus e em Nossa Senhora da Graça. Se fosse preciso chamar o médico… a coisa podia estar feia e quase sempre acabava mal.
Assim começava a vida de mais um bebé na nossa Aldeia. Se a mãe tivesse leite, o futuro dele seria menos complicado, nos próximos dois anos. Sim, mamava-se até com dentes - era uma grande sorte, o mais fácil e estava sempre ali à mão. Complicado, complicado era mesmo a falta da mama. A procura do leite de vaca, de cabra, de ovelha e até de burra, no Verão, era muito, muito difícil e arranjar o precioso líquido uma dor de cabeça. Tinha de ser procurado por toda a povoação, pois a maior parte dos animais, em gestação, estava "seca" . Funcionava então a solidariedade e o alimento do bebé havia de aparecer.  Tal leite  era "forte" e tinha de se "desdobrar" com água fervida. As condições de higiene eram mais que precárias. O leite em pó só aparece na década de 50, assim como os primeiros biberons e tetinas. Tudo muito simples, quase artesanal. Não havia esterilizadores, não havia saneamento básico nem água canalizada. As condições higiénicas e de salubridade das nossas povoações  eram muito precárias e a criação de animais dentro e em redor das aldeias e até vilas só piorava a situação. Fontes e poços de mergulho, com a água a escassear, no tempo quente. Um autêntico tormento. Febres intestinais e diarreias. Maleitas provocadas pela picada dos mosquitos. Espécie de paludismo... “Anda aí uma ‘malina…’”- dizia-se, em tom de alarme. Não é, pois,  de admirar que, no cemitério, houvesse um talhão para “os anjinhos”. Logo à entrada.
No entanto, muitas Crianças  iam “escapando” e crescendo num verdadeiro milagre que só as leis da Natureza poderiam, talvez, explicar. Acompanhavam os pais nos trabalhos dos campos, bebiam água das fontes e dos regatos, dormiam à sombra das árvores mais frondosas e, muito cedo, começavam a comer dos parcos alimentos dos seus progenitores. Desde muito pequeninos ajudavam nas tarefas domésticas e rurais, dando assim valor ao esforço familiar e construindo laços indestrutíveis que só a solidariedade pode originar. Era comum ouvir-se “de pequenino se torce o pepino” ou “o trabalho do menino é pouco… quem o perde é louco”! E de exploração do trabalho infantil nunca alguém se queixou...
Em tais circunstâncias, a maior parte da garotada entrava na Escola – sempre 7 anos completos – sem nunca ter sido vista por um médico, a não ser  que corresse perigo grave. Eram frequentes os casos de raquitismo e subnutrição e um harmonioso desenvolvimento físico e mental daqueles seres em formação era bem complicado. À medida que a Criança crescia aí vinham as chamadas doenças infantis e poucos escapavam ao sarampo,  varicela, rubéola,  papeira ou trasorelho  (”zarelho” como era chamado por aqui…), à tosse convulsa, dores de ouvidos e de dentes, quase sempre suportadas com enorme estoicismo e sofrimento, até “à cura”... Na época adequada, as gripes e as constipações eram generalizadas – as formas de combate e cura eram desconhecidas e o contágio praticamente inevitável. Na melhor das hipóteses, um comprimido de aspirina  aliviava a situação.
Nem a paralisia infantil deixou de passar por aqui e deixar vítimas.
Os doentes mentais não tinham possibilidade de qualquer apoio e, frequentemente, eram alvos das brincadeiras e da chacota dos que se julgavam mais “espertos”…
Numa altura em que os insecticidas não eram conhecidos e muito menos estavam divulgados, arranjavam-se expedientes caseiros para a luta contra a bicharada que atacava animais e pessoas, nomeadamente os piolhos, as carraças e as pulgas. Por esta época aparece o DDT, um veneno poderoso e muito tóxico, soube-se depois, mas que se tornou um poderoso auxiliar para tornar mais justa uma luta desigual e quase sempre perdida pelo homem contra tais inimigos.
Também se torna presente a vacina contra a varíola e vem até à Aldeia a carrinha volante do IANT para despiste da tuberculose e seu combate com as “micro radiografias”, a “prova da tuberculina” e a vacina BCG… A saúde oral era o bem “desnecessário” e só para arrancar os primeiros dentes definitos, já em mau estado, se acorria  ao barbeiro, o Ti Guerra, ou a um “mecânico dentista”, militar do nosso Exército, que muitas vezes faziam a extração a “ferro frio” por não haver anestesia ou dinheiro para ela. Uma crueldade necessária, mas incompreensível nos dias de hoje. Era apenas aqui o único meio de aliviar, de vez, uma dor de dentes atroz... Dá-se início a alguns tratamentos de dentes, os “chumbados”. Enfim, uma vida de trabalhos, sofrimentos, sem direitos nem pensões, sem abonos de família nem médicos, sem centros de saúde nem comparticipações nos remédios poucos que se compravam, época em que a sobrevivência dos mais velhos era assegurada pela a generosidade e gratidão dos  filhos. E até de uma vizinhança solidária que sabia que havia de chegar a ocasião de também vir a precisar e que a ajuda mais rápida  haveria de estar ali ao lado, no vizinho. Quase todos  teriam histórias  de dores de cabeça, de dentes, amigdalites, constipações, gripes a serem “curadas” com “aguardente queimada”, vinho quente com açúcar ou mel, ou com  “pingo” de toucinho, suadouros, ventosas… e até “bichas” (sanguessugas) deitadas para tirar o “sangue mau”… E também se morria... Mesmo  na morte o pobre continuava sempre pobre, pois os cadáveres podiam ser deitados na sepultura embrulhados num lençol ou metidos num caixão de "quatro tábuas" pregadas. O famoso "remédio" das "quatro tábuas" que tudo "curava...
Fotos retiradas da internet e Carlos Paião do Face Book. Homenagem ao artista e ao médico dedicado.