domingo, janeiro 19, 2025

História de outra Aldeia

Outras Aldeias com histórias! Por Engenheira D. Lurdes Camilo Caro Professor, Acabei
de ler "Histórias da Minha Aldeia" e fiquei encantada com as histórias, as descrições, os sentimentos e as vivências que relata, bem como a riqueza do vocabulário tão específico da vida rural. Não vivi na aldeia, mas foi lá, em Monsanto, que vivia durante todo o mês de Setembro, desde que nasci até à idade adulta. Em Monsanto e também percorria as aldeias das redondezas, especialmente nas festas e romarias e também em Penamacor, onde na altura da juventude era bem mais aliciante do que Monsanto e os tios, como não tinham filhos, gostavam muito de nos receber. Aliás, conheci o meu marido numa verbena das festas de Penamacor. Assim, tenho imensas memórias de Monsanto com imensa população, crianças, escolas cheias e de muitos trabalhadores na agricultura. Recordo a saída, ao nascer do sol, dos trabalhadores para o campo. Na Tapada Nova, onde ficávamos, juntava-me aos trabalhadores e gostava muito do que comiam, como bem descreve. O cesto de verga com pão cortado com a navalha, o tomate que também cortavam para uma malga, o chouriço, as azeitonas, o queijo, o toucinho...e chamavam jantar, ao que era almoço... É gostoso ouvir palavras que hoje estão em desuso ou não se conhecem, o coucho (bebia tantas vezes por ele na fonte do Burrinho dos meus bisavós), os pirolitos com a bola de vidro, etc. Que saudades tive ao falar na vindima, onde gostava de participar e acompanhar em cima da junta de bois até ao lagar, na colheita da azeitona à mão e a ida para o lagar, que tinha sempre o chamado inferno e que eu não sabia porquê... E o tempo de descamisar o milho, as cantigas que acompanhavam e o pó que levantava... E os medos, quando já era quase noite e nos assustavam com as almas boas e as más. E os lacraus que antes de levantar as pedras, púnhamos em volta palha, incendiávamos e o lacrau ferrava em si próprio antes de morrer queimado. À tardinha chegava o rebanho e a ordenha e os mémés pequeninos faziam a nossa delícia. Também recordo quando apareciam os comediantes, saltimbancos e cantadores ambulantes. Era uma festa, no meio daquela pobreza invisível aos meus olhos. Tempos inesquecíveis, mas para nós não eram duros como para o povo da aldeia. Não tínhamos a noção disso, como se o seu trabalho fosse feito por gosto. Vivia-se sem electricidade, em condições tão precárias. Recordo que o meu avô Trindade, que foi viver para Monsanto, após a reforma, calçava as crianças da escola, pois quase todas iam descalças. A aldeia tinha muita vida, tradições e agora é um deserto, só com os mais velhos que restam. Recordo, após o 25 de Abril, de um texto muito interessante, que questionava o que seria mais importante, se saber em que ano reinou D. Dinis ou como se apanha a azeitona, confrontando o conhecimento intelectual com o conhecimento empírico e rural. Tenho recordações muito bonitas, em tempos muito difíceis, mas tenho consciência de como a vida era dura para as pessoas das aldeias e do interior, sempre tão esquecido. Gostei imenso do livro, pelo seu maravilhoso enquadramento com uma realidade que só quem conheceu e viveu a pode compreender. Eu vivi-a, na altura, do outro lado, mas felizmente que a educação e as orientações que recebi dos meus pais, me permitiram defender e estar sempre do lado da valorização de todos os seres humanos. Em Monsanto, em criança, os meus amigos eram as crianças da aldeia, alguns quando cresciam já iam trabalhar, mas ficaram sempre no meu coração. Muito obrigada caro professor pelo seu livro, por me ter permitido reviver, relembrar e revisitar com tanta exactidão e riqueza escrita, tempos passados lindos, de uma forma tão completa, minuciosa, real, mas também encantadora. Um conselho, continue a escrever, para nos encantar a todos! Um grande abraço com amizade

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