Repicaram, por três vezes, os sinos para a Missa de Domingo de Páscoa. Não era uma Missa qualquer, mas a da festa do triunfo da Vida sobre a Morte.
Liturgicamente, era a única Missa do ano precedida de procissão, a celebração da Ressurreição pelas ruas da nossa Aldeia, com o Santíssimo Sacramento.
A Confraria estava quase em peso, os Irmãos, às dezenas, com as suas opas encarnadas, uns para pegar ao pálio, nas lanternas, à bandeira-guião; a maior parte, com a vela acesa na mão, para alumiar a Jesus Sacramentado. Para o Pároco, uma dor de cabeça, procissões e missas em ambas as aldeias, visita pascal numa delas. Mal havia de ter tempo para almoçar. Mas também não o deixariam passar fome.
A Missa fora anunciada para as 10 horas e, desde as nove, por todas as ruas, a população dirigia-se à igreja paroquial. Com ou sem a participação da Banda, o cortejo havia de sair, logo que a meia batesse. Tinham saltado das arcas e malas os fatos dos "dias santos". Xailes e lenços a estrear. Botas - e sapato, poucos - fatos, calças, camisas e chapéus tinham este dia como privilegiado.
Formava-se o cortejo, talvez o mais respeitoso do ano. Semelhante ao do 3º. Domingo de Outubro, a festa na Confraria do Santíssimo Sacramento.
Percurso habitual. Passagem pela Rua Nova, frente à loja do Senhor Mendonça, "forno de baixo", subir ao Largo do Pereiro. Um momento de adoração na capela aqui existente, passagem pelo "forno de cima" e largo do Poço Novo, com término na igreja matriz, que ficava a abarrotar de gente de todas as idades. A igreja lindíssima, montes de flores, alfaias novas.
Durante a procissão, o Povo - e a Banda, se presente - respondiam, em uníssono, como só a nossa gente sabe fazer, às invocações do celebrante, ainda em Latim, de compreensão acessível:
- Regina Coeli, laetare!
-Alleluia! Alleluia! Alleluia! Alleluia!
- Quia quem meruisti portare!
- Alleluia! Alleluia! Alleluia! Alleluia!
- Resurrexit, sicut dixit!
- Alleluia! Alleluia! Alleluia! Alleluia!
- Gaude et laetare, Virgo Maria!
- Alleluia! Alleluia! Alleluia! Alleluia!
- Ora pro nobis Deum!
- Alleluia! Alleluia! Alleluia! Alleluia!
- Quia surexit Dominus, vere!
- Alleluia! Alleluia! Alleluia! Alleluia!
Todos nós conhecemos os acordes que acompanham tão significativos louvores. Há 50 anos, a música ficava como que a pairar pelas ruas, largos e becos da Aldeia, até que a campainha, anunciasse, por toda a tarde, a passagem do Senhor e do cortejo pascal, levando as "boas festas" a cada casa de cada família.
- Boas festas, aleluia, aleluia! Jesus ressuscitou!
- Boas festas também p´ra si, Senhor Prior. Aleluia!
Havia sempre uma amêndoa, um esquecido, uma jeropiguinha, ou apenas um copo de vinho com um bolo de leite... Também algumas moedas para as despesas da igreja e "sustentação do clero". A cesta dos ovos, que se enchia mais de uma vez, fazia parte cortejo e do seu transporte todos se queriam esquivar. Quem fosse "demasiado" glutão ou descuidado com a "pinga", era certo e sabido que, antes de o sol se pôr, teria reunido "condições para desistir"... Em cada casa, a conversa era curta, pois a jornada havia de ser terminada, antes que escurecesse.l
Acontecia uma tarde em ebulição, pois os parentes e amigos queriam estar uns em casa dos outros para receber o Senhor e beijar o Crucifixo. E para as guloseimas. Ruas e escadarias alindadas com alecrim e rosmaninho, deixando, no ar, um odor tão próprio da Primavera. E da Festa.
O cortejo terminava sempre na Casa Grande. O Pároco e todo os acompanhantes, suspirando de alívio. Podiam comer e beber o que ainda fosse possível. E já não era muito!
Notas:
1. Fiz parte destas celebrações como adolescente e na Juventude, até já profissionalizado . Recordo, com saudade e alegria, estas vivências, das mais belas da minha vida.
2. As fotos, de autor desconhecido, foram retiradas da página Face-Book de A.J.P.
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