sexta-feira, janeiro 22, 2010

Manuel Serrano, um Músico

É a única certeza que trazemos à nascença, a morte. E por muito que pareça tardar, ela chega. Assim foi com o meu primo e Amigo, Manuel Serrano. Da idade do meu Pai, aguentou-se, lúcido, até aos últimos momentos, somando quase um século. Tanto! E tão pouco!
O Ti Manel não tinha inimigos, mas uma "infinidade" de admiradores. Naturalmente simpático e alegre, com uma educação daquelas que quase já não há, apesar das suas poucas habilitações académicas, Manuel Serrano era o símbolo da nossa Banda. Ele e a Banda tinham quase a mesma idade e, se exceptuarmos a infância, podemos dizer que foi músico toda a vida. Mesmo quando a procura de melhor sorte o levou para as Minas da Panasqueira, não deixou de se dedicar à sua Arte. Que teve este músico de diferente, para além dos muitos e muitos anos em que actuou para encantamento dos seus admiradores? É que, nas suas mãos, o bombardino, como sempre ouvi chamar aquele instrumento fascinante, produzia um som que nos transportava para outra dimensão, quase como se despegássemos do resto da Banda. Gosto muito de ouvir bandas. Sem menosprezo pela nossa querida Banda de Aldeia, as grandes bandas militares, as grandes marchas militares enchem-me de encanto. Se viajar sozinho até à nossa Beira, chego a fazer todo o percurso com este tipo de música nos ouvidos. Os clarinetes e os cornetins, os contra-baixos e os saxofones, as flautas e as requintas, os trombones e as trompas, o bombo, as caixas e os pratos... que mais? - sob a batuta de um bom maestro, transportam-me a um mundo que só quem nele viveu, mal acabadinho de nascer, poderá entender. E é preciso gostar p'ra valer. Há muitas marchas militares e de muita qualidade. Lindas, mesmo. John Philip de Sousa, um luso-americano, nos USA, compôs algumas bem extraordinárias. No entanto, a minha preferida, chama-se "Alte Kamaraden", "Velhos Camaradas" que muitos associam, indevidamente, ao Nazismo. Ela já existia muito antes, composta, em 1889, por Carl Teike, genial compositor alemão que, como muitos outros génios, morreu na indigência. Só que Hitler fazia desfilar as tropas nazis ao som dos seus acordes, interpretada pelas suas poderosas bandas militares. A marcha é muito popular e empolgante - a letra também é lindíssima - e Hitler um malandro e um oportunista...
Em Aldeia, no Largo do Pereiro, onde vivia o Ti Manel, eu cá em baixo e ele no balcão, lá no alto:
- Então por cá outra vez? - perguntava sempre com um sorriso bem disposto.
- Venho ver aqui o Ti Fernando. Olhe, Primo Manel, trago-lhe aqui um naipe de bombardinos que é um espanto...
- Olhe, ponha lá isso aí no seu rádio para ouvirmos...
Liguei a aparelhagem do carro e pronto. "Saiu" a marcha "Velhos Camaradas"...
- Ah! Essa também eu cá tenho... A sua aparelhagem é que é melhor...
Daqui p'ra frente, não me vai fazer "apanhar mais melões". Nem vou ouvir outra vez da sua boca serena e sorridente "Então por cá?!"
Far-me-á falta. Nesta singela homenagem, não lhe deixo "Velhos Camaradas" com tropas e guerras, mas com Povo a ouvir e a dançar, como ele tanto gostava. Oxalá chegue ao Céu, onde está. Penso que vai ficar contente, lá em cima. Eu, cá por baixo, enquanto puder, continuarei a dizer, sempre que "entrarem" os bombardinos (barítonos?) numa das tais marchas gostosas: "Ah! Ti Manel!"

3 comentários:

Zé Morgas disse...

Olá Professor Serrano
Permita-me trancrever aqui uma breve passagem do trecho " Crime no Quartel", publicado no meu blogue:
- Sei como é difícil classificar a vista mais bonita, mas bato-me entre os meus companheiros, que o quadro visto do alto da Torre de Menagem em Penamacor, partilha ex aequo, nota máxima, com todas as demais bonitas vistas, já vistas.
E não o faço inocentemente.
Escudo-me nos elogios que ouvi das vezes que levei o meu grupo de mototuristas a Penamacor. Todos ainda recordam como foram recebidos em 98, com banda, a Banda de Aldeia de João Pires e a recepção no Salão Nobre dos Paços do Concelho com discurso de boas vindas e Porto de Honra. Estavas lá. A jantarada nesse ano foi na Meimoa, A Princesa da Beira, no restaurante Calhambeque. Visitamos Monsanto, Idanha, Senhora do Almortão, etc. Éramos 78.
Pois é Professor Serrano, ainda este fim de semana, depois de ter regressado da visita à barragem de Alqueva, fui beber um copo com uns amigos no bar do grupo motard de Santo André, e alguém me interrogou para quando o próximo passeio a Penamacor, e me dizia:
-Nunca mais na vida vou esquecer aquela terra, Penamacor, fui lá recebido pela banda de Aldeia de João Pires.
Presenteá-mos a banda no final da actuação, com uma estrondosa saudação motard.
A todos um abraço.

António Serrano disse...

Ó Zé!
Que bela surpresa!
Agradeço as tuas palavras sempre amigas e generosas.
Um grande abraço do teu velho professor,
AS

Maria Helena disse...

Boa tarde quase boa noite professor Serrano!
Que feliz família a sua que conseguiu desenvolver e preservar o dom Musical! A família do meu marido também tem este dom, mas a vida os levou para outros caminhos bons também. Mas este nos transporta para outro mundo. Estive agora ouvindo a banda que o senhor blogou "Velhos camaradas" e depois ouvi a outra utilizada por Hitler. A primeira me emocionou, foi uma vibração de alegria e saudade, sentida com o coração! A segunda, a mesma música, foi linda, mas como um espetáculo auditivo e visual, menos com o sentimento( talvez já por prevenção).
Que o "Ti Manel" continua fazendo música de onde está, continua, e lhes abençoando e rindo feliz desta família boa que ainda vive por aqui!
Muita paz e música!