Quando nasci, já estava lá. Um vasto terreno a Norte da povoação, subindo pela encosta suave, até à Penha de Águia. Na sua maior parte em posse da “Casa Grande”, nunca soube por que razão o seu acesso foi aqui permitido às gentes de Aldeia, quase sem restrições. Sobretudo aos mais novos que os pais e avós tinham que trabalhar. Eram dezenas e dezenas de sobreiras, talvez centenas, na força da idade, abrigando no seu seio, quando o tempo chegava, muitos e muitos ninhos que, depois, tornavam o Sobreiral num local de eleição. Ao fundo do declive, extremada em cada topo por meia dúzia de enormes eucaliptos fora de contexto, havia uma zona aplanada e arenosa, terra bem batida, por todos conhecida como “o ténis”, memória de tempos passados, disseram-me, em que os filhos da “Casa Grande” ali jogavam aquele desporto de elite, na sua juventude. Assim, na minha meninice era quase um privilégio ali poder jogar à bola, nem que fosse de trapos enrolados na meia que algum de nós surripiara das poucas que a mãe lhe destinara.
A Primavera mostrava lá grande esplendor: sobreiras viçosas, aqui e ali um ou outro pinheiro, os enormes eucaliptos, os “saragoaços”, os rosmaninhos, as giestas e as estevas floridas, No Verão as sombras eram acolhedoras e benfazejas.
Depois, na adolescência, havia outros encantos. Subia-se, subia-se e era motivo de enorme satisfação alcançar, vencer os penhascos da Penha de Águia e dali avistar uma extensa paisagem: Monsanto, em frente, a vastidão do concelho da Idanha, Castelo Branco a alvejar, lá bem longe, com o seu altaneiro castelo. Tudo isto estava ao alcance dos nossos bons olhos de então.
Os anos passaram e eu quase esqueci o Sobreiral. Fui sabendo pela minha irmã, muito mais nova, que também na sua infância e adolescência, ela e amigos haviam beneficiado do encanto daquele lugar bem agradável.
Seguiu-se o abandono das nossas Aldeias, o desapego por tudo aquilo em que crescemos, acreditámos e nos fizemos gente. Também ao Sobreiral havia de calhar destino semelhante.
Seguiu-se o abandono das nossas Aldeias, o desapego por tudo aquilo em que crescemos, acreditámos e nos fizemos gente. Também ao Sobreiral havia de calhar destino semelhante.
Meses atrás, quis visitar o Sobreiral, subir à Penha de Águia. Um dos meus netos e um seu amigo, dez anos de idade, dispuseram-se a fazer-me companhia para eu rever um local onde havia sido feliz.
- Ó filho, a Aldeia que tu conheceste já não existe.
Regressei, cabisbaixo, com as Crianças nos ouvidos:
- Avô, para o ano vamos tentar outra vez?
O Passado e o Futuro, a Descrença e a Fé de mãos dadas.
A Giane. Ouvi-a lá. Com a paixão que só se tem na idade da inocência.
5 comentários:
Memórias de tempos felizes!...
Também eu, há uns anitos, queria mostrar aos meus filhos um dos locais onde costumava, com a idade deles, tomar banho na ribeira (Rio Torto)...
que diferença... que desilusão!!!
Depois dessa vez ainda lá não voltei. talvez por isso a imagem que guardo na memória ainda é a da minha "Praia do Moinho do Nico"...
Um abraço professor
João Adolfo
Mais um "cantinho" da Aldeia e com grande história...
Que bom conhecer "tão de perto" estas maravilhosas "Estórias" vivenciadas noutros tempos, numa aldeia tão especial...
Venham mais histórias de mais "cantinhos" da aldeia!
Gostei muito da fotografia também!
Meu grande amigo Tó
Lembrar o Sobreiral é reviver tempos felizes da nossa meninice,passados em conjunto com muitos amigos comuns,alguns deles já referidos por ti.
Sobreiral era ponto de encontro quase diário.Para além das partidas de futebol no velho campo de "TENIS",nesse tempo "TENDES" para a maioria,recordo com muita saudade aquele lugar aprasível onde tudo acontecia...
Como tu,também eu,hoje,sinto tristeza e alguma frustração ao olhar para aqueles lugares...Já não me revejo alí...
As minhas felicitações por mais esta bela história da nossa meninice de Aldeia.
eu tenho observado seu blog desde segunda-feira, e francamente´... eu nunca vi um blog tão bem escrito como o seu!
tem a aprovação da secretaria de observação de blogs!
Observadora de blogs,
Deixou-me "vaidoso", mas não tenho razão válida para o ser. Escrevo sobre o que vivi num tempo em que me senti feliz, sem condições económicas nem materiais de realce, mas com o carinho dos meus Pais e Irmãos e da nossa Gente. Faço-o com simplicidade e isto não tem qualquer valor literário. Palavras só palavras. Mas tenho de lhe dizer BEM HAJA!
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