Maravilhosa "invenção" de S. Francisco de Assis que, em 1223, teria montado o primeiro presépio, na floresta de Greccio, para que, assim, os camponeses, seus conterrâneos e contemporâneos, compreendessem melhor o nascimento de Jesus. O acto ganhou raízes, espalhou-se pelo mundo cristão e chegou à minha Aldeia. Quando nasci, já lá estava. E é desse(s) que venho falar! O primeiro presépio que eu vi era pequenino, pobre e simples como as gentes a quem se destinara. É uma das mais remotas lembranças da minha vida. "Aparecia" no altar dedicado a Nossa Senhora da Graça e ali ficava até ao Dia de Reis. O grande "salto" dá-se pelo meus 8 ou 9 anos e foi uma das maiores surpresas da minha vida!!!
Durante o ano, na missa dominical ou nas de outros dias festivos, os gaiatos da catequese costumavam ficar no lado do altar-mor, nem sempre se comportando muito bem, e só o olhar autoritário do P. José Maria "metia na linha" aquela garotada tirada, por momentos, à tutela dos pais. Foi assim durante muitos anos: homens lá para cima, no coro alto da igreja; mulheres e garotas na zona do "rés-do-chão" e os miúdos ali, à esquerda do altar. Ora, num dia de Natal, por volta de 1950, todo o "nosso" espaço apareceu ocupado com um presépio lindíssimo, oferta da Casa F., dizia-se, que me deixou completamente atordoado. Eram figuras de barro muito belas, majestosas: Maria, José e o Menino numa cabana de encantar; lá atrás, o burro e a vaca; pendurados de maneira habilidosa, os anjos seguravam uma faixa artísticamente desenhada com a frase "Gloria in excelsis Deo... "; no campo, em redor, um vasto tapete de musgo, os pastores e os seus rebanhos; lá ao fundo, os Reis Magos montando garbosos cavalos - tenho a vaga ideia de um deles vir em cima de um camelo. Nunca os meus olhos de criança de aldeia haviam mirado tamanha maravilha. Sempre que podia, escapava-me para dentro da igreja e ali ficava, "amarrado", numa atitude quase mística, em contemplação daquela cena "do outro mundo" e nunca antes sonhada. Em cada ano, lá vinha a surpresa final: no Dia de Reis, como por magia, as montadas já não estavam lá e os Magos apareciam, em frente da imagem do Menino, em adoração e oferendo-Lhe ouro, incenso e mirra.
Com o decorrer do tempo, progredindo na catequese, fui sendo convidado para ir com os nossos seminaristas, de férias, apanhar o musgo e o amor ao presépio tornou-se mesmo uma paixão da minha infância e da minha adolescência.
Os anos passaram, os seminaristas eram cada vez menos, regressara à Aldeia com o Curso a que me dedicara e por ali fiquei. A "promoção" por que tanto ansiara chegou, por fim, com naturalidade: jovem professor de aldeia, com muito tempo livre e poucas oportunidades de o ocupar - a leitura foi o passatempo preferido - sem dificuldade tornei-me um dos responsáveis pela construção do presépio paroquial. No dia 24 de manhã, era combinado, um grupo de jovens, adolescentes e crianças lá ia até ao pinhal das "Colmeias", onde o musgo era de primeira qualidade, cada um esforçando-se por tirar daqueles "barrocos" de granito a "manta" de musgo que iria atapetar a "casa" do Menino Jesus, em cada Natal. E garanto-vos que o desafio "obrigava" a que todos dessem o seu melhor e o resultado final só podia ser um: vários cestos de musgo com que, na tarde desse dia, seria construído o presépio dos nossos sonhos, colocando com as nossas próprias mãos aquelas figuras encantadoras que fizeram tantas crianças e adultos sonhar com um mundo melhor, tão belo com era aquele que os nossos olhos ali contemplavam.
Veio o serviço militar, a mudança de vida e tudo ficou para trás menos esta tão grande saudade de tempos que não voltarão.
Os "anjos" cantam...
2 comentários:
Mais um belo conto, desta vez sobre o presépio. No Vale creio que era idêntico. Tenho uma vaga lembrança de construir o presépio na Igreja em 1958, com os amigos da catequese. Foi o único Natal que passei lá. Tinha 10 anos de idade.
Abraço
Novamente as mesmas lembranças, os mesmos passos. Ainsa bem que os descreve com esta mestria. Que belas lembranças, ida à escola e depois todos para a serra d'Opa ao musgo para fazer o presépio. Presépio esse que ainda hoje é o meu encanto (apesar de este ano o achar tão pobrezinho), assim como a ida à Missa do Galo, Cantar o Menino Jesus, ir ao madeiro que aquece o Menino.
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