quinta-feira, outubro 01, 2009

Manuel André, um Aluno inesquecível!

Manuel,
O Outono de 1968 entrara, havia duas semanas, quando te conheci. Lá, em Penamacor. Lindo, pequenino, olhar vivo, inteligente. Sentaste-te na primeira carteira, em frente à porta, e lá ficaste nos 3 anos que frequentaste, comigo, a escola primária, da 2ª. à 4ª. classe. Quando alguém não sabia, não podia ou não era capaz o Manuel André... resolvia!
Impecável como Aluno. Excepcional como Pessoa. O filho que todos os Pais desejam criar; o aluno que todos os Professores querem ensinar; o amigo c0m que todos os Colegas sonham brincar. Juntamente com a tua irmã, a Natália, éreis, no meu entender, os melhores alunos da nossa Escola. A magnífica educação dos vossos Pais, gente humilde e boa, foi decisiva para que todos fossem teus amigos.
Mesmo a minha partida para S. Tomé, em 1971, só serviu para nos manter unidos. Regularmente, lá recebia notícias tuas, dos teus colegas, dos antigos alunos - por ti soube da morte do Adriano, tão criança, numa brincadeira com um tractor... - da nossa Vila e seu Concelho. Tinhas apenas 11-12 anos, mas já decidiras bem o que querias.
Quando voltei de África, depois do 25 de Abril, continuei a "seguir-te" e tu a "acompanhar-me". Aluno brilhante em qualquer das escolas que foste frequentando, o teu leque de amigos alargava-se sempre e sempre. Felizmente, no teu grande coração, eu ia conservando o meu lugar. Era uma festa em cada reencontro. Com que alegria me contaste que a tua mana, entrara na Faculdade de Medicina e que era também esse o teu desejo. Bem sei que a situação não ia ser fácil para os teus Pais, com tempos tão diferentes dos de hoje, mas não seria obstáculo que o seu Amor por vós não ultrapassasse. Assim foi. Findava a década de 70 e vós, os dois irmãos, os dois excelentes Alunos, as duas pessoas de Bem, éreis Colegas da mesma Faculdade, a mana no 3º ano e tu um destemido caloiro. Depois, tudo começou a "correr sobre rodas".
Mas... há sempre um mas...
Estávamos da Primavera e a Páscoa calhara a 10 de Abril. Na segunda feira, temos a grande festa do nosso Concelho, em honra de Nossa Senhora do Incenso. Digamos que, por acaso, embora não acredite muito neles, durante a Missa campal, a minha Família ficou ao lado da tua: eu, a minha mulher e os meus filhos; tu, a Natália e os vossos Pais. O coração ficou-me apertado quando reparei na tua cara, com os teus vinte e poucos anos. Falámos. Soube que os estudos estavam um tanto prejudicados. Outro aperto no coração. Não era coisa para ti.
- Ó Manelito, estás tão pálido? Que se passa, meu filho?
- Ó professor, tive aqui um problema de dentes e apanhei uma forte anemia. Mas isto já está no bom caminho. Vai ser coisa para agora passar depressa! Fique tranquilo.
Querido Amigo, tu sabias que não era caso para ficar tranquilo. Mas não quiseste dizer-mo. Sempre valente!
Dois meses depois desloquei-me lá, à nossa Beira, e encontrei o teu Pai, carregado de luto, repentinamente envelhecido, à porta do Jardim municipal.
- Então, Senhor André, quem lhe morreu? O seu Pai? A sua Mãe?
- Morreu o nosso Manuel! - ouvi num sussurro doloroso, pungente, tão sofrido.
- Não!!! - gemi , a custo.
Agarrámo-nos um ao outro e chorámos, convulsivamente. Partilhei com o teu Pai um fardo tão pesado que ele carregava, desde o anterior 25 de Abril. Foi-me dito, depois, que tu sabias que não eu te veria mais. A leucemia não te ia poupar. Duas semanas apenas te separaram da Eternidade em que Deus te quis.
Nós é que ficámos mais pobres: os teus Pais, os teus Amigos, os que seriam teus doentes. Que bem que eles haviam de dizer de ti. Ficou a Natália, a curar por ti e por ela. E por outros que se descuidam com os que tanto precisam.
Manuel, tu sabes que, antes de nos deixares, já eras o meu Aluno preferido. Depois, durante muitas dezenas de anos, foram milhares os que conheci. Lindos, encantadores, reguilas, sossegado, desinquietos, trabalhadores, preguiçosos, educados, malandrecos... Uma imensidão.
Mas tu, Manuel André, foste único para mim, como disse a raposa, no Principezinho, cativaste-me para sempre!
Assim, até ao nosso reencontro, fica a saudade, a admiração do teu velho professor,
António A. Serrano
PS. Olha, Manelito, o Zé Morgas, teu companheiro de carteira, continua um "maluco das motas" e a escrever umas coisas, no seu blog. Passo por lá, de vez em quando, mas tu sabes como ele é. Um dia destes vamos almoçar juntos. Também ele sente saudades tuas...

3 comentários:

Zé Morgas disse...

Professor Serrano
A vida tem destas ironias:
O Manuel André foi meu colega de carteira, o Joaquim Adriano meu companheiro de brincadeiras, morávamos na mesma rua
Sei que me perdoará o facto de um aluno comentar as palavras do seu Mestre, mas permita-me que lhe diga:
Este seu texto é de uma sensibilidade e de uma honestidade enternecedoras.
Quando se tem / teve assim uma admiração e amizade por alguém, não deve ser fácil resumir em palavras o que se sente, mas estas palavras, tão merecidas, não reflectem esforço. Parecem naturais como a amizade que vos uniu durante esses três anos, amizade que nos uniu naquela turma da 4ª classe.
MANELITO, lá onde estiveres, um dia, reencontrar-nos-emos.
Contigo também, QUIM.
Zé Morgas

António Serrano disse...

Meu Caro José,
Como foi bom ler as lindas palavras com que também recordaste o nosso Manelito. Sem desprimor por tantas e tantas centenas de Alunos que "percorreram" esta minha vida - e TU foste um deles, para minha alegria - o Manuel André vai estar à minha cabeceira, na hora de o voltar a encontrar. Cativei-o e ela cativou-me. Sorte a minha, que agradeço a Deus.

Maria Helena disse...

Nossa Professor! Que lindo esse texto! Que criança, que rapaz, que alma nobre! E a sua alma de professor, que belo o amor e cuidado com seus alunos! As crianças do mundo todo estão precisando desta qualidade de professores.Muito sensibilizada, até as lágrimas! Obrigada por tanta sensibilidade! Um dia se encontrarão com certeza!