domingo, junho 19, 2016

No tempo dos lagares com varas

Toda a Aldeia era mobilizada para a apanha da azeitona e os mais sortudos ficavam nos lagares, debaixo de telha e no calor da fogueira sempre acesa. Aquela geringonça com pesadas rodas de pedra era puxada por uma junta de VACAS, junta que podia ir também, pela tardinha - os dias eram muito curtos e frios - buscar os sacos de azeitona, ao olival. Não se vê a trave toda mas, na ponta, estava um gancho de ferro, onde "engatava" o "cambão" que passava entre as duas vacas e se atrelava à "canga" pelo "tamoeiro" de couro, canga já assente no cachaço dos mansos animais que haviam de "gramar a pastilha", duas horas a andar, sem saírem do mesmo sítio. A dita canga assentava no cachaço e fixava-se aos cornos pelas "piassas" e ainda mais uma volta por baixo no pescoço com... já não me lembro do nome. Assim se dava coesão aos "cangalhos" e as vacas não tinham hipótese de fuga ao trabalho. Nem direito a horas extra pagas... Depois de entornados alguns cestos de azeitonas retiradas das tulhas, a geringonça entrava em movimento e não podia parar. E mais cestos de azeitonas era despejados, os animais sempre a mexer. Mais de duas horas, já escrevi, até que a massa das azeitonas assim esmagadas ficasse em condições de ser espremida nas seiras, sob um enorme tronco de castanheiro ou de sobreira, em cuja extremidade, ainda com restos das grossas raízes, fora pendurada uma bem pedra pedra em feitio de tronco de cone. Só geringonças. Que funcionavam. No lagar de varas.... Voltemos às três rodas dentro do pio. Tudo em granito... Quase sempre as vacas estavam em desacordo para fazer aquela caminhada, andando, andando, sem saírem do mesmo sítio, a paisagem sem mudar. Um homem tinha de caminhar, atrás delas, a "motivá-las", para que não parassem.
Mas que haviam de acrescentar à geringonça? Um banco. Não desses falidos, mas de madeira, encaixado na trave, para atrair os garotos. Criança que aparecesse no lagar para lhe molharem o pão no azeitinho acabadinho de fazer era convidada a dar umas voltas atrás das vacas. Com o engodo de uma "viagem" sem pagar bilhete, sentadinho no banquinho, a cheirar o rabo das vacas e a saber como é que as vacas funcionavam.
- Vá lá! Não custa nada... Vais sentado neste banquinho e não te cansas. É só enquanto torramos o teu pão e o metemos no azeite...
E lá ia o garoto, vara na mão, tocando, tocando as vacas. E vendo aquelas azeitonas, aquelas rodas, aquela massa que havia de dar azeite, para molhar aquele pão que tanto custava a torrar.
E a brincadeira lá fora. E o maroto do sol a esconder-se. E os amigos aos saltos, nas corridas e nos jogos. No Pereiro, no largo do Rato, no Adro, na Estrada, no bairro da Mocidade, no pátio da Escola... E ele ali sentadinho, às voltas e a sonhar...
- Podes sair. O pão está torrado e molhado. Queres comer?!
O acordar com que se sonhara todo o dia, pão molhado em azeite fresquinho. Só que a brincadeira dessa tarde também se fora...
As viagens que eu fiz naquele banquinho!... E outros Meninos da nossa Aldeia.
- Avô, queres que te conte uma história de Aldeia que vem aqui na Internet?!
 

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