Os ramos mais lindos das oliveiras foram guardados para este dia.
Enfeitados com as poucas flores disponíveis, na época - glicínias, lírios, perpétuas, malmequeres – que, atadas no ramo, com fios de lã, algodão ou até com as linhas de costurar, podiam acabar num encanto, uma pequena obra de arte, ou nem por isso, dependendo do bom gosto da mãe, da avó, da irmã ou até da vizinha, a acudir à confusão provocada por vários ramos a terem de sair da mesma casa. O que muitas vezes acontecia, pois as Crianças não faltavam, como hoje.
Domingo de Ramos! Era uma festividade bem desejada, como se toda a comunidade quisesse celebrar as alegrias da entrada triunfal de Jesus, em Jerusalém, e libertar-se da opressão de uma Quaresma que obrigava à meditação, ao silêncio, à penitência, à conversão.
Os sinos haviam tocado "a última" para a Missa e, a caminho da Capela do Pereiro, por todas as ruas da Aldeia, dezenas de Crianças empunhavam os ramos de oliveira, quase sempre bem alto, lá na ponta de uma cana também ela escolhida e aparada com todo o cuidado. Era quase um concurso saber quem levava o ramo o mais jeitoso e o mais bem composto. Vaidades de mães e pais, que também os gaiatos apreciavam.
Os ramos eram quase só transportados pelos Crianças, sobretudo pelos rapazes. Um ou outro adulto carregava já o seu também, se se quisesse distinguir da generalidade, com o rosmaninho ou o alecrim, pois a todos os devotos seria entregue um raminho de oliveira que o sacristão se encarregara de arranjar.
As Crianças ajeitavam-se para junto do celebrante e os adultos enchiam o largo contíguo à capela, o coração do povoado.
No início da celebração os ramos iam passando de mão em mão até que cada um tivesse a sua parte, seguindo-se a sua bênção. Os que sobrassem seriam queimados e a cinza usar-se-ia na celebração do início da Quaresma do ano seguinte, em Quarta Feira de Cinzas.
Organizava-se a procissão em direcção à igreja paroquial. Com as leituras e orações em Latim, também os cânticos seguiam no mesmo tom:
- Lauda, Jerusalem, Dominum! Lauda Deum tuum, Sion! Hossana! Hossana! Hossana, Filio David!
- Benedictus qui venit in nomine Domini! Benedictus qui venit in nomine Domini! Hossana! Hossana! Hossana in excelsis!!! Hossana, hossana Filio Dei!!!
Era um momento de solenidade impressionante. À frente, dezenas de Crianças, abrindo o cortejo, com os seus ramos lindos. Depois, os homens, uns mais corajosamente, outros um tanto envergonhados, também com o ramo na mão, juntando as suas vozes em coro com as das mulheres, que fechavam a procissão, dirigida pelo pároco já ancião e doente, Padre José Maria Lopes Nogueira. Em frente da igreja paroquial desenrolava-se uma cena com o seu quê de mistério: a porta estava fechada, o pároco batia nela por três vezes, cantando palavras em Latim a que, de dentro, um dos paroquianos, Ti Iná, ia respondendo no seu “latim” possível. Depois as portas eram escancaradas e o templo ficava literalmente cheio. As Crianças tinham de ser acolhidas em volta do altar-mor, meninos à esquerda e meninas à direita. Não era fácil manter aquela garotada na ordem, por muito mais de uma hora, para desespero do velho Pároco. Ramo contra ramo, as pernas a “fazer comichão” por tanto tempo “em pé”. Havia sempre um mais maroto que tentava derrubar o ramo do vizinho e as coisas podiam “dar p’ró torto”. O que acontecia, de vez em quando…
Com alívio dos gaiatos e um respirar fundo do Padre José Maria lá vinha a bênção final, o rezar do “Angelus”, habitual, ao tempo, no fim da cada Missa e os sinos a repicarem, para só voltarem a tocar na meia-noite da Sábado de Aleluia.
Nota: Só muitos anos depois, já adulto e avançado em anos, tive curiosidade de conhecer o significado do “diálogo” de porta fechada, naquelas manhãs de Domingo de Ramos, tão do meu encanto. Para os interessados, aqui vai a explicação do próprio Papa Bento XVI.
“Voltemos à liturgia e à procissão dos Ramos. Nela, a liturgia prevê o canto do Salmo 24 (23), que também em Israel era um canto de procissão, utilizado para subir ao monte do templo. O Salmo interpreta a subida interior de que era imagem a subida exterior e nos explica o que significa subir com Cristo: «Quem subirá ao monte do Senhor?», pergunta o Salmo, e apresenta duas condições essenciais. Aqueles que sobem e querem chegar verdadeiramente até o cume, até a verdadeira altura, têm de ser pessoas que se perguntam por Deus. Pessoas que perscrutam ao seu redor para buscar Deus, para buscar seu Rosto. O Salmo 24 [23], que fala da subida, que termina com a liturgia de entrada diante do pórtico do templo: "Levantai, ó portas, os vossos frontais, levantai-vos, portas antigas, e entre o Rei da glória".
Na antiga liturgia do Domingo de Ramos o sacerdote, ao chegar diante da igreja, batia, com força, com a haste da cruz da procissão na porta ainda fechada que, após este bater, se abria. Era uma bonita imagem para o mistério do próprio Jesus Cristo que, com o madeiro da cruz, com a força do seu amor que se doa, bateu do lado do mundo à porta de Deus; do lado de um mundo que não conseguia encontrar o acesso para Deus. Com a Cruz, Jesus abriu, de par em par, a porta de Deus, a porta entre Deus e os homens. Agora ela está aberta".
(Na Homilia de Domingo de Ramos, 1 de Abril de 2009, XXII Jornada Mundial da Juventude)
Enfeitados com as poucas flores disponíveis, na época - glicínias, lírios, perpétuas, malmequeres – que, atadas no ramo, com fios de lã, algodão ou até com as linhas de costurar, podiam acabar num encanto, uma pequena obra de arte, ou nem por isso, dependendo do bom gosto da mãe, da avó, da irmã ou até da vizinha, a acudir à confusão provocada por vários ramos a terem de sair da mesma casa. O que muitas vezes acontecia, pois as Crianças não faltavam, como hoje.
Domingo de Ramos! Era uma festividade bem desejada, como se toda a comunidade quisesse celebrar as alegrias da entrada triunfal de Jesus, em Jerusalém, e libertar-se da opressão de uma Quaresma que obrigava à meditação, ao silêncio, à penitência, à conversão.
Os sinos haviam tocado "a última" para a Missa e, a caminho da Capela do Pereiro, por todas as ruas da Aldeia, dezenas de Crianças empunhavam os ramos de oliveira, quase sempre bem alto, lá na ponta de uma cana também ela escolhida e aparada com todo o cuidado. Era quase um concurso saber quem levava o ramo o mais jeitoso e o mais bem composto. Vaidades de mães e pais, que também os gaiatos apreciavam.
Os ramos eram quase só transportados pelos Crianças, sobretudo pelos rapazes. Um ou outro adulto carregava já o seu também, se se quisesse distinguir da generalidade, com o rosmaninho ou o alecrim, pois a todos os devotos seria entregue um raminho de oliveira que o sacristão se encarregara de arranjar.
As Crianças ajeitavam-se para junto do celebrante e os adultos enchiam o largo contíguo à capela, o coração do povoado.
No início da celebração os ramos iam passando de mão em mão até que cada um tivesse a sua parte, seguindo-se a sua bênção. Os que sobrassem seriam queimados e a cinza usar-se-ia na celebração do início da Quaresma do ano seguinte, em Quarta Feira de Cinzas.
Organizava-se a procissão em direcção à igreja paroquial. Com as leituras e orações em Latim, também os cânticos seguiam no mesmo tom:
- Lauda, Jerusalem, Dominum! Lauda Deum tuum, Sion! Hossana! Hossana! Hossana, Filio David!
- Benedictus qui venit in nomine Domini! Benedictus qui venit in nomine Domini! Hossana! Hossana! Hossana in excelsis!!! Hossana, hossana Filio Dei!!!
Era um momento de solenidade impressionante. À frente, dezenas de Crianças, abrindo o cortejo, com os seus ramos lindos. Depois, os homens, uns mais corajosamente, outros um tanto envergonhados, também com o ramo na mão, juntando as suas vozes em coro com as das mulheres, que fechavam a procissão, dirigida pelo pároco já ancião e doente, Padre José Maria Lopes Nogueira. Em frente da igreja paroquial desenrolava-se uma cena com o seu quê de mistério: a porta estava fechada, o pároco batia nela por três vezes, cantando palavras em Latim a que, de dentro, um dos paroquianos, Ti Iná, ia respondendo no seu “latim” possível. Depois as portas eram escancaradas e o templo ficava literalmente cheio. As Crianças tinham de ser acolhidas em volta do altar-mor, meninos à esquerda e meninas à direita. Não era fácil manter aquela garotada na ordem, por muito mais de uma hora, para desespero do velho Pároco. Ramo contra ramo, as pernas a “fazer comichão” por tanto tempo “em pé”. Havia sempre um mais maroto que tentava derrubar o ramo do vizinho e as coisas podiam “dar p’ró torto”. O que acontecia, de vez em quando…
Com alívio dos gaiatos e um respirar fundo do Padre José Maria lá vinha a bênção final, o rezar do “Angelus”, habitual, ao tempo, no fim da cada Missa e os sinos a repicarem, para só voltarem a tocar na meia-noite da Sábado de Aleluia.
Nota: Só muitos anos depois, já adulto e avançado em anos, tive curiosidade de conhecer o significado do “diálogo” de porta fechada, naquelas manhãs de Domingo de Ramos, tão do meu encanto. Para os interessados, aqui vai a explicação do próprio Papa Bento XVI.
“Voltemos à liturgia e à procissão dos Ramos. Nela, a liturgia prevê o canto do Salmo 24 (23), que também em Israel era um canto de procissão, utilizado para subir ao monte do templo. O Salmo interpreta a subida interior de que era imagem a subida exterior e nos explica o que significa subir com Cristo: «Quem subirá ao monte do Senhor?», pergunta o Salmo, e apresenta duas condições essenciais. Aqueles que sobem e querem chegar verdadeiramente até o cume, até a verdadeira altura, têm de ser pessoas que se perguntam por Deus. Pessoas que perscrutam ao seu redor para buscar Deus, para buscar seu Rosto. O Salmo 24 [23], que fala da subida, que termina com a liturgia de entrada diante do pórtico do templo: "Levantai, ó portas, os vossos frontais, levantai-vos, portas antigas, e entre o Rei da glória".
Na antiga liturgia do Domingo de Ramos o sacerdote, ao chegar diante da igreja, batia, com força, com a haste da cruz da procissão na porta ainda fechada que, após este bater, se abria. Era uma bonita imagem para o mistério do próprio Jesus Cristo que, com o madeiro da cruz, com a força do seu amor que se doa, bateu do lado do mundo à porta de Deus; do lado de um mundo que não conseguia encontrar o acesso para Deus. Com a Cruz, Jesus abriu, de par em par, a porta de Deus, a porta entre Deus e os homens. Agora ela está aberta".
(Na Homilia de Domingo de Ramos, 1 de Abril de 2009, XXII Jornada Mundial da Juventude)
Fotos de João Paulo Fidalgo e internet
2 comentários:
Apreciei muito a s imagens delicadas das confecções dos ramos, empenho, principalmente das mulheres, utilizando alecrins e outras plantas. Nós não temos oliveiras, talvez no rio Grande do Sul. Sempre belas e suaves, mas alegres e vivas...tempos inocentes em que as pessoas reabasteciam a fé neste encontros festivos...Paz e Luz
Professor António, desculpe-me não ter começado o texto, mostrando a quem me dirijo. Um raminho de luz te envio!
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