
"Para Angola e em força", a frase proferida por Oliveira Salazar a 13 de Março de 1961, para responder aos ataques feitos sobre os colonos brancos e boa parte da população negra da maior das então Províncias Ultramarinas.
Um esforço desmesurado vai ser imposto ao País, em meios materiais e sobretudo, humanos.
Grande parte dos nossos Jovens, Adolescentes e até Crianças, naquele célebre dia daquela célebre frase, nem de longe nem de perto pôde alcançar de que maneira o seu futuro imediato e a curto e médio prazo havia de ser desenhado, sem que lhes fosse pedida qualquer opinião. Salazar mandava, o Povo não discutia, como sempre acontece nas ditaduras.

Desde Fevereiro de 1961 havia tropas mobilizadas para desembarcarem semanas depois no porto de Luanda. As condições para as receber eram de todo impróprias: nem instalações, nem armamento, nem fardamento, nem equipamento, nem preparação e treino militar. Nem motivação política ou patriótica. A grande maioria não sabia por que ia combater nem por que ia matar ou morrer. De repente, jovens lares acabavam de ser desfeitos, esposas sem marido, crianças sem pai, noivas sem noivo... parafraseando Fernando Pessoa.

Com o intensificar da guerra em Angola e a abertura das hostilidades na Guiné e em Moçambique foi imposta à Nação uma dolorosa sangria, com centenas e centenas de companhias e batalhões de combate,integrando o melhor de Portugal, a sua gente moça e generosa.
Depois de uma pequena esperança de que a guerra em Angola não passasse de pequenas escaramuças se ter esvaído, com as mobilizações para a Guiné e Moçambique, nós, os jovens e as nossas Famílias começámos a dar-nos conta de que alguém nos metera numa coisa que nenhum desejava, a quase certeza de uma mobilização geral para irmos matar ou morrer, nalguns casos as duas coisas, numa idade em que só queríamos viver, divertir-nos, ser felizes e despreocupados. E a lutar por ideais que dificilmente percebíamos, pois ainda houve alguma esperança de a guerra fosse apenas um meio de pressão para criar condições políticas para as independência e não um tormento sem fim que ia deixando de rastos o melhor de nós, os nossos jovens.
Falo por mim e creio interpretar o sentir da grande maioria dos que foram jovens comigo: não queríamos guerra, não queríamos ir para a guerra, não queríamos matar "terroristas" nem, queríamos ser mortos por esses mesmos "terroristas" .
Com o aproximar dos 20 anos, as inspecções militares em que toda a GENTE (menos cegos, surdos e coxos) era apurada para todo o serviço militar, quer nos interessados quer nas famílias o medo da convocação para o serviço militar obrigatório era mais que evidente. Apesar de haver tropas especialistas em que apenas eram admitidos "voluntários" - comandos, rangers, paraquedistas e fuzileiros navais - era bem evidente que não queríamos a guerra e, muito menos, participar nela. Depois, findas as comissões de cerca de 24 meses, começaram a chegar menos do que foram, alguns metidos em caixões, outros com deficiência físicas e psíquicas notórias - mesmo os que aparentavam estar bem vinham marcado com sequelas que podem ter durado até aos dias de hoje. Na visão e na compreensão de tal desgraça tenho por mim que a maioria da nossa juventude temia a guerra e só participava porque era obrigada.

A certa altura, quando os mais esclarecidos começam a sentir que nada daquilo fazia sentido, sem intervenção política e negociações de paz, dá-se o princípio da deserção que, no entanto, nunca chegou a ter números verdadeiramente significativos. A grande maioria optava, contra vontade, por embarcar, sofrer, lutar e, com sorte, voltar com honra. Assim pensávamos. assim agíamos, com medo, claro, com medo corajoso, se é que faz algum sentido. Dezenas de nomes tornam-se rotineiros: Cais da Rocha Conde de Óbidos, Cais de Alcântara, navios Niassa, Índia, Infante D. Henrique, Vera Cruz, Príncipe Perfeito, Moçambique... marginal de Luanda, Grafanil, Nanbuanbongo, Pedra Preta, Negage, Marginal de Lourenço Marques, Tete, Niassa, Rovuma, Wiryamu, Dili, Bijagós, Ilhéu das Rolas... Walters, G3, Uzi's, morteiros, bazookas, napalm, lança-chamas, canhões com e sem recuo, morteiros de 60, 81..., ração de combate, "golpe de mão", catanas, canhangulos, minas... E também massacre, morte, invalidez pensões de sangue... FNLA, FRELIMO, UNITA, UPA, PAIGC... com gente muitas vezes interessada só no seu próprio interesse. Havia de ver-se!!!
Choros e gritos de dor e sofrimento nas partidas. Choros e gritos de alegria, não para todos, nas horas dos regressos e dos abraços. Para o bem - ainda havia mobilizações de "encher o olho", dois anos de férias em S. Tomé ou Cabo Verde - e para o mal: sofrer, lutar, matar, morrer, fome, sede, calor, febres, mosquitos, vacinas, aerogramas, madrinhas de guerra, fotografias, saudades, "ressuscitar", regressar. E ficar lá, vivos e mortos.

Teve a guerra um significado positivo para as populações dos territórios ultramarinos: abertura de estradas, construção de escolas e hospitais, integração de antigos combatentes que optavam por não regressar à Metrópole, desenvolvimento da economia, nomeadamente da agricultura, da pesca e de algumas indústrias.
A dada altura pensa-se que a população branca das Províncias Ultramarinas poderia rondar um milhão de pessoas, com dezenas e dezenas de milhar de mestiços e milhões de Negros, uns "convertidos" às teses de Salazar, continuadas por M. Caetano e outros verdadeiramente comprometidos numa independência política, social e económica para as suas terras, os seus países. Independência total. Com todas as consequências até as lutas fratricidas que levaram muitos dos mais entusiastas independentistas a refugiarem-se e a acabar os seus dias na velha Metrópole, com reformas pagas pelo Estado Português. E muitos outros milhares só não fugiram porque não puderam ou não deixaram e acabar vítimas de vinganças e ódios mais violentos que a própria Guerra Colonial.
O 25 de Abril era inevitável, como foi ou como poderia ter sido. Impossível a País pequeno e com dificuldades em encontrar "carne para canhão" que a guerra pudesse ser continuada. Treze anos de duração foi já quase um "milagre". "Milagre" doloroso!
Pena foi que a Revolução dos Cravos, à medida que o tempo passava, "descambasse" ainda em mais medo, mais mortes no velho Ultramar, mais sofrimento. Que perdura até hoje.
E, entre nós, não garanto que a "Democracia" em que agora vivemos não nos traga mais medos que a ditadura em que fomos mandados para a guerra: despedimentos arbitrários, desemprego, pobreza, fome, medo, mentira, subserviência, oportunismo, compadrio, nepotismo, favorecimentos, corrupção descarada, Educação..., Justiça...! "E uma Juventude à Rasca", sem conseguir vislumbrar qualquer luz ao fundo do túnel...
E, entre nós, não garanto que a "Democracia" em que agora vivemos não nos traga mais medos que a ditadura em que fomos mandados para a guerra: despedimentos arbitrários, desemprego, pobreza, fome, medo, mentira, subserviência, oportunismo, compadrio, nepotismo, favorecimentos, corrupção descarada, Educação..., Justiça...! "E uma Juventude à Rasca", sem conseguir vislumbrar qualquer luz ao fundo do túnel...
Que nos resta hoje? Já não há o medo de ser apurado para o SMO, de ser incorporado na recruta e especialização, em terras até então desconhecidas de muitos e que tanto podiam ser Tavira, Serra da Carregueira, Lamego, Tancos, Santa Margarida, Castelo Branco, Beja, Setúbal, Santarém, Vendas Novas... como Serra do Pilar, Viseu, Mafra ou Aveiro, em cujos quartéis se formavam as companhias e batalhões com "miúdos" quase imberbes e que haviam de ser largados no vasto sertão ou no denso matagal africano. Cheios de medo, uns chorando, outros envergonhando-se de o fazer, pois "um homem não chora"...
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De uma Juventude louca e ingénua dos anos 60 restam, hoje, velhos alquebrados. Ainda muitos a curtir medos e outros a sentir saudades, saudades do que viveram, saudades do que não lhes deixaram vivver, saudades dos que não voltaram, ou voltaram para não contar.
Hoje, quem compreende porque e para que se fez esta guerra? A guerra é um flagelo e quase sempre a pior escolha. Nós, os que estamos vivos, enquanto o pudermos fazer e nos deixarem fazê-lo devemos tornar viva a memória daquela vidas em flor que foram sacrificadas ainda tão cheias de esperança, mal sentindo estarem a "cumprir o seu dever". Inclinemo-nos, respeitemo-los e saibamos preservar o que de bom nos deixaram, o sentir de uma Pátria que foi grande. E hoje tão pequena quão pequena é a pequenez da alma, da moral, da competência, da ética, do sentido de Estado e de Justiça, a tempo e horas, dos seus governantes e demais responsáveis de outros órgãos de soberania.
Depois que ao toque da alvorada se ergam vivos e mortos para celebrar o esplendor de Portugal.

Depois que ao toque da alvorada se ergam vivos e mortos para celebrar o esplendor de Portugal.
