segunda-feira, outubro 06, 2008

Na Beira Baixa...



Foi numa quinta-feira de Setembro. O Verão ainda tinha umas semanas de vida, mas a tarde convidava a viajar. São quase 300 kms e demoro para cima de 4 horas para fazer o percurso. Azelhice e bom gosto. Senhor do meu tempo, percorro a estrada antiga, os campos de Ribatejo verdejam com extensos milheirais, as águas de Montargil refrescam a tarde amena, o céu, um tanto nublado, não deixa ver todo o esplendor do seu azul. Não gosto de viajar em auto-estrada. A pressa não deixa apreciar a Natureza. E ver foi a maior graça que Deus me concedeu. Já o Sol se escondia por detrás das Serras da Alvelos e Moradal, quando Castelo Branco ficou para trás. Depois de um “graças a Deus” estacionei, tendo por fundo, já pouco perceptível, o morro altaneiro de Monsanto.
Gosto da nossa Beira, amo a minha Aldeia. É sempre com alegria que lá volto e piso aquelas terras que foram meu berço e de muitas gerações que me precederam. Não podia ser diferente, desta vez! Até porque havia um motivo maior para estar presente: o 100º. Aniversário da Fundação da nossa banda filarmónica, “A UNIÃO de Aldeia de João Pires”. Para sistematizar esta minha passagem pela Beira Baixa, vou arrumar a minha escrita em 4 capítulos, neles se poderão encontrar as minhas emoções por ter aqui passado dias tão cheios e felizes.
1.Camponês:
Nasci, no campo, cresci no campo, vivi no campo, amo o campo. É uma paixão mergulhar as mãos na terra e poder senti-la escorrer por entre os dedos, ver as sementes brotarem e crescerem, darem fruto e matarem a fome. Ficou-me por lá um bocado, que já foi dos meus avós e que me dá mais despesas que proveitos, trabalhos e canseiras. Lá se passaram duas manhãs a cortar as vergônteas das oliveiras, a arrancar as giestas e os codeços, a pulverizar as silvas, “tratar-lhes da saúde” … a limpar a barroca para que as águas de Outono possam seguir o seu caminho, em paz. Uma trabalheira, um suadouro, uma paz de espírito. Haja vida e força para continuar!
2. Viajante:
Há muito que ouvia falar do Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova, mas a disponibilidade para a visitar não se oferecia. Em fins de Agosto, num dos nossos canais de TV, apareceu uma manhã dedicada a esta terra progressiva e acolhedora. Meti logo na minha cabeça que seria desta. Ainda bem. Uma casa acolhedora, com belo aspecto, e uma sala que falava comigo. Ali tudo eram recordações: aquilo que eu vira em criança no amanho das terras, na apanha e debulha dos cereais, da azeitona e extracção do azeite, no trato dos animais e produtos a que davam origem, enfim… é melhor ver que ler o que outro lhe conta. Bem lá no meio, as três "engenhocas" que mais me fascinaram, na minha vida: a máquina a vapor que fazia trabalhar um lagar de azeite, com e prensas, na minha aldeia, uma gigantesca “malhadeira” – como tive pena das vacas que a deslocavam de uma eira para outra – e um tractor, um tractor igualzinho àquele que pôs os gaiatos da minha aldeia, eu incluído, em total alvoroço e a fazer “tractores” de todo o material que havia disponível: tábuas, cortiça, latas, borrachas, cordéis… Junto desta debulhadora “fascinante” encontra-se uma máquina a vapor, muito mais antiga, igualzinha a outras, em AJP, que me roubava horas e horas a olhar para ela, desde que me lembro.
Monsanto há muito estava no meu roteiro. Ouço, pela Internet, o RCM. Sou amigo e admirador pessoal do seu director e tinha um convite, mais que repetido, para o visitar, em sua Casa. Foi muito bonito ver o edifício e o equipamento. Graças à carolice e generosidade de um homem notável, o Prof. Joaquim Fonseca, há mais de 40 anos monsantino por afinidade e adopção, que dedica a sua vida e as suas muitas capacidades, com muitos sacrifícios pessoais e até financeiros, já lá vão 23 anos, à missão de levar a voz da nossa Beira a todo o País e a todo o Mundo. Obrigado, Professor.
A povoação, a “aldeia mais portuguesa de Portugal”, é um encanto. Para onde quer que nos viremos aquelas pedras têm hist´ria p´ra contar, são portuguesas, são beirãs... As ruas, as casas, as fontes, a igreja, a torre, os miradouros, toda aquela paisagem que se avista lá do alto nos “esmaga” e exalta. Monsanto, uma Aldeia a visitar.
Vale da Senhora da Póvoa: Estando de visita ao Convento de Mafra, anos atrás, um cavalheiro espanhol quis saber de mim qual o melhor caminho para Aljubarrota. Esbocei um sorriso, confesso, um tanto trocista, ele percebeu e explicou-se: “Sou professor de História, na Universidade de Madrid, já li tudo o que há para ler sobre essa famosa batalha, mas tenho de ver o local para ver se consigo entender o porquê do insucesso castelhano, contra todas as possibilidades dos dois exércitos…” Lá lhe expliquei o melhor que podia e sabia, despedimo-nos com “hasta siempre” e cada um foi à sua vida.
Vem isto a propósito de quê? Escrevi lembranças da minha infância e juventude em que evocava Nossa Senhora da Póvoa e era forçoso que voltasse ao encontro do que já vira, há muito, e ligar a escrita à realidade, aos caminhos, ao santuário, à povoação.
Chovera com alguma abundância na noite de sexta-feira para sábado e a manhã chegara fresca e húmida. Aproveitei-a para a labuta campestre, como já referi, marquei encontro, para depois de almoço, em Penamacor, com um dos muitos amigos feitos via Internet, Bons conversadores, foram duas horas e meia, que passaram num instante. Obrigado, Prof. Caldeira!
Já a tarde ia adiantada quando me dispus a cumprir aquilo que há muito fora decidido: saber quantos Kms iam da minha casa ao santuário, rever paisagens e povoações, encontrar paz e tranquilidade. Concluir que a viagem, em quatro rodas, era mais confortável, mas não tinha o encanto da que fizera aos 27 anos. Os campos estavam agora quase todos cheios de mato, excepto nos arredores dos povoados. Mas era a festa do verde e dos cheiros. Os incêndios não haviam passado por ali, a terra fora regada e deitava aquele odor tão característico e agradável que, juntamente com os da esteva, do eucalipto, do pinheiro do rosmaninho me inebriavam, enchiam de bem-estar. As curvas eram mais rápidas de fazer e lá cheguei ao alto da “Serrinha”. Avistei o santuário, para a esquerda, ao fundo da Serra d’Opa, logo a seguir a Povoação e depois todo um lindo vale, tão bem aproveitado para dar o nome a esta Aldeia. Especatcular. Parei, saí, admirei e enchi os pulmões com aquele ar tão puro e leve, quase capaz de “dar vida a um morto”. Fui descendo, devagar. O recinto estava muito diferente do que eu conhecera. Com mais conforto. Como será no dia da festa? Entrei na Capela e venerei aquela imagem que leva a fama de Maria até bem longe. Pedi-lhe por Amigos, filhos seus, desde pequeninos, ali lembrados por mim, também seu filho menor. Achei a povoação, como tantas outras, triste e “abandonada”. Quase não vi gente! O maior sinal de vida foram as belas hortas que a cercam, indício de água abundante e trabalho extenuante. Com certeza daqueles que já pouco podem e que, num último alento, vão tentar prolongar a vida do que tanto amaram e amam. Quis pisar o recinto de festas onde haviam estado amigos meus, duas semanas antes. E senti uma grande nostalgia. Era tempo de regressar, fazendo-o, na convicção, de que poderia ser a última vez.
Por isso, não quis deixar de passar pelo Meimão. A única das nossas aldeias que nunca visitara. A barragem – uma pequena decepção, julgava-a maior – depois sempre mato, pinhal, eucaliptal. Bem lá no fundo, uma pequena povoação. Ruas muito estreitas, um larguinho para as festas. Gente valente, capaz de viver lá, nesse fim de mundo. Admirável!! Que dia!

5 comentários:

LUNA disse...

As suas palavras são sempre bebidas e não lidas!!! è gostosa a maneira como escreve quase transportando-me às minhas raizes...que eu amo com todas as minhas forças!!!
Depois há os lugares comuns..o Santuario, a Capela, a aldeia quase despida de gente..mais a mais nesta altura...até o Prof. Caldeira...que conheço desta coisa da net...ah...e agora tambem o Joaquim Fonseca que me acordava de manhã com os seus programas da Radio Altitude...que acabou por casar com uma Melita ela sim de Monsanto...tudo isto é um bem um balsamo para quem tem por si uma notável admiração!!!
Obrigada Professor!!!! Melita

António Serrano disse...

Obrigado pela visita e pelas palavras tão bonitas quanto imerecidas. Reli o texto e tive de fazer pequenas alterações, pois "depressa e bem não faz ninguém..." Tentei que ficasse melhor. Oxalá!!!

Unknown disse...

Oxalá!! Uma bela canção interpretada pela Teresa Salgueiro, bela como a sua prosa que admiro, desde a primeira hora em que entrou em contacto connosco, através do site do Americo.
Palavras .... palavras que são, neste momento, a melhor maneira de comunicar, coisa que faz tão bem.
Como diz a minha amiga, leva-nos até às nossas raízes, sente da mesma maneira os problemas daquela Beira que não conseguimos, nem queremos, tirar do coração. Demasiadas emoções. Todas as suas histórias, com Aquela que é a nossa Mãe espiritual, tão divertidas, tão sentidas, estou sem palavras. Queria deixar só o meu apreço pelo seu trabalho, continue a mimar-nos com a sua escrita e com a sua amizade. O meu muito obrigado e continue sempre....
Maria

António Serrano disse...

Mais uma visita que muito estimo a animar-me. Vou tentar continuar, mas é preciso progredir muito. Estou como aqueles miúdos da 1ª. classe que, no fim do ano lectivo, "recusam" os seus primeiros trabalhos pois devido à inicial "imperfeição" e dados os progressos eles garantem: - "Este não é meu!" Um dia destes vou contar histórias de encantar com Crianças que me encantaram. Obrigado.

Unknown disse...

Pai, tantas saudades que nos temos da aldeia, infelizmente da ultima vez que tivemos em Portugal nao tivemos tempo para ir la.
Vais matando as nossas saudades com as tuas recordacoes tao bonitas e tao bem descritas.